O menos que se pode dizer do americano David O. Russell é que não há maneira de o encerrarmos em qualquer cliché temático, estético ou “autoral”. Afinal de contas, a sua versatilidade vai do mais insólito filme de guerra («Três Reis», 1999), até às ambivalências da comédia dramática («Guia para um Final Feliz», 2012).
Digamos que, com «Golpada Americana», porventura o mais drástico derrotado dos Oscars referentes à produção de 2013 (dez nomeações, zero distinções), Russell conseguiu surpreender ainda mais, explorando um registo em que o realismo mais cru parece atrair uma ambiência de farsa, à beira do burlesco.
De forma muito livre, o filme inspira-se numa célebre investigação do FBI (identificada como “ABSCAM”) que, entre finais da década de 1970 e o começo dos anos 80 tentou desmascarar vários esquemas de corrupção de figuras do poder político. O filme começa, assim, por funcionar como uma “reconstituição” que, em qualquer caso, cedo integra componentes singularmente teatrais. Porquê? Porque os protagonistas vivem, eles próprios, um processo em que as máscaras são essenciais aos seus objectivos, no limite, à sua própria sobrevivência.
Daí uma sensação insólita: «Golpada Americana» tem tanto de comédia de costumes como de conto moral sobre a verdade ou a falsidade (a verdade e a falsidade) que as relações sociais podem envolver. Será preciso relembrar que Russell é também um invulgar director de actores? Os seus quatro magníficos — Christian Bale, Amy Adams, Jennifer Lawrence e Bradley Cooper — confirmam que uma boa performance humana vale sempre mais que o mais sofisticado efeito especial.
Título original: American Hustle Realização: David O. Russell Elenco: Christian Bale, Bradley Cooper, Amy Adams, Jennifer Lawrence Duração: 123 min EUA, 2013
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº22, Setembro 2014]
https://www.youtube.com/watch?v=NqgjPRNRDSY