“Em 972 os Fatimitas fundaram Al-Azhar para ser o centro de educação islâmica” O grande imã é a autoridade máxima do Islão Sunita. Ao longo dos séculos os governantes do Egipto tentaram controlar Al -Azhar. Até agora falharam essa intenção”. Assim abre «Conspiração do Cairo», lançando os dados deste estimulante e perturbador thriller com o jovem Adam como peão central dum conflito entre o poder espiritual e o poder temporal, neste país e civilização milenares.

Num país desigual e pobre como o Egipto a educação através da religião é uma das escassas oportunidades para os jovens humildes ascenderem socialmente. É o caso de Adam, filho de pescador, que ajuda o Pai na faina diária, numa pequena localidade onde vive com mais dois irmãos, numa família cumpridora dos ensinamentos e rituais da fé islâmica. A possibilidade de ir estudar para Al-Azhar chega por carta e Adam parte para o Cairo. Da pacata vila piscatória para a capital o ritmo narrativo acelera para um momento chocante e surpreendente: o grande imã, o líder supremo do poder religioso morre, em circunstâncias misteriosas, para consternação geral de Al-Azhar e preocupação das autoridades políticas egípcias, desejosas de controlar a escolha do sucessor.

O verdadeiro thriller começa aqui: inspirado pelos mestres do suspense e da espionagem o realizador leva-nos numa sucessão de episódios trágicos, ameaças, traições e descobertas comprometedoras a par dos rituais próprios duma escola religiosa de raiz islâmica. É um labirinto de pistas e elementos onde no centro está o jovem Adam, ingénuo e ainda não corrompido nem pela fé nem pela política (a escolha do título original em inglês é muito feliz: «Boy From Heaven»). Tudo filmado com ritmo, economia narrativa e muito suspense, numa mise en scéne equilibrada e um protagonista desconhecido do grande público, sósia dum tal Gael Garcia Bernal, numa escolha feliz de casting.

Dito isto, importa sublinhar o forte pendor crítico ao estado da arte, em termos político-religiosos, do Egipto atual e às divisões no mundo da fé sunita que subjazem a este «Conspiração do Cairo». Um filme como este, premiado em Cannes 2022 pelo argumento, nunca poderia ter sido feito no país do realizador, proibido de regressar ao Egipto durante a rodagem do seu filme anterior- «The Nile Hilton Incident» (2017). No final do filme, alguém pergunta ao jovem Adam: “O que aprendeste (em Al-Azhar)? A resposta foi um silêncio profundo e o regresso ao labor original – o trabalho na pesca com o Pai.

Título original: Walad min al-Janna Título internacional: Boy From Heaven Realização: Tarik Saleh Elenco: Tawfeek Barhom, Fares Fares, Sammy Soliman Duração: 126 min Suécia/França/Finlândia/Dinamarca, 2022

https://www.youtube.com/watch?v=v1Q8otLrf_o
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