Algo faz-nos acreditar que Matthew Vaughn deseja ardentemente realizar um filme de James Bond, contudo, a saga inspirada na criação literária de Ian Fleming parece-nos demasiado branda para os rasgos de violência e irreverência que o realizador emana com precisão. Portanto, segue-se as “energias alternativas”, seja através de «The Kingsman», ou desta nova empreitada, «Argylle – Espião Secreto», que também bebe dessa água nascida de um universo bondiano venifluidamente alterado, por vezes embriagado, e em outros momentos auto-referencial (lê-se “meta” como comum jargão de atualidades), e marcado por um estilo cada vez mais definido e reconhecível desse “homem de bronze” duma Hollywood ávida por escapar da orfandade das “franquias de super-humanos”.

Vaughn citou e recitou meticulosamente a sua lista de desejos com a anterior trilogia “The Kingsman” (2014 – 2017 – 2021) a destacar-se como modelo nesta comédia de enganos e espiões pouco convencionais (Sam Rockwell, cuja má-disposição característica lhe confere frescura no seu papel-tipo), e convém recuar um pouco, seguindo as pegadas de Daniel Craig no seu embrião-ensaio para o futuro 007 que viria a ser (sim, «Layer Cake», um culto discreto que preparou a entrada de Vaughn em Hollywood). Neste jogo constante de repetição e interpretações de locais e costumes deste subgénero, ousadamente situamos «Argylle – Espião Secreto» como mais um reforço da sua “criatividade”, ou será melhor afirmar, maneirismos. Nada é verdadeiramente original aqui e o filme reflete a imagem do seu criador, seja no humor desgarrado, nos bailados de violência (unindo matanças em performativo jeito de videoclipe) ou no desenvolvimento dos protagonistas, que evoluem de “marginais” a anti-heróis com requinte (até mesmo o seu «X-Men: O Início», dirigido em 2011, mantém essas marcas, ainda que disfarçadas pela opressão da saga).

Em suma, esta saga de uma escritora de intrigas de espionagem socialmente amedrontada (Bryce Dallas Howard a assumir o protagonismo com graciosidade) que acidentalmente se vê envolvida em “sua própria história” é um “medley” dos melhores êxitos de Matthew Vaughn, sendo que de mais “fresco” possui seja uma homenagem muito mascarada a «My Darling Clementine»/ «A Paixão dos Fortes», esse clássico intemporal de John Ford (1946). É um realizador dançarino em estado de graça, mas até a mesma chega a ser previsível (longe vão os tempos de uma maior sensibilidade e de um tom esteticamente mais confortável, que fora «Stardust», o filme mais “estranho” da sua carreira).

Título original: Argylle Realização: Matthew Vaughn Elenco: Bryce Dallas Howard, Sam Rockwell, Bryan Cranston, Samuel L. Jackson, Henry Cavill, Sofia Boutella, Dua Lipa Duração: 139 min. EUA/Reino Unido, 2024

Foto © Universal Pictures

https://www.youtube.com/watch?v=b_NS8IqVwMM

ARTIGOS RELACIONADOS
The Ministry of Ungentlemanly Warfare

É um mistério que «The Ministry of Ungentlemanly Warfare», de Guy Ritchie («Sherlock Holmes», «Snatch»), não tenha estreado nos cinemas Ler +

AS MARVELS

«As Marvels» volta a revitalizar o cinema de super-heróis do melhor estúdio do género. Baseado na conexão entre os personagens, Ler +

Captain Marvel
CAPITÃO MARVEL

Por vezes a Marvel vira-se para o espaço para se oxigenar e fugir das convenções e das lutas entre os Ler +

Jumper
JUMPER

[Texto publicado originalmente no site Cinema2000, 14 de Fevereiro 2008] O realizador Doug Liman assina no seu curriculum várias super Ler +

Moon
MOON – O OUTRO LADO DA LUA

Duncan Jones (o filho de David Bowie) com experiencia na publicidade e videoclips aventura-se e demonstra enorme talento na direção Ler +

Please enable JavaScript in your browser to complete this form.

Vais receber informação sobre
futuros passatempos.