Um filme onde a escola é como um microcosmo da sociedade moderna. «A Sala de Professores» é um olhar sublime e assertivo de Ilker Çatak que habilmente transformou uma atitude pouco decente numa reflexão sobre o nosso mundo. Dois delegados de uma turma do sétimo ano são confrontados por professores acerca de pequenos roubos numa escola na Alemanha. A professora deles não concorda com o procedimento. Carla Nowak (Leonie Benesch) é uma jovem idealista que acredita profundamente na sua função, ela considera incorrecto o procedimento de interrogação e que se peça aos alunos que denunciem colegas de turma. A situação agrava-se com a revista das carteiras dos rapazes e uma acusação infundada agrava toda a situação.
A professora Nowak, que desconfia que os pequenos furtos talvez não tenham sido feitos pelos seus alunos, decide investigar. É pior a emenda do que o soneto e Nowak agrava a situação mesmo com provas conclusivas. Instala-se uma crise aberta entre alunos, professores e encarregados de educação. Nowak está no olho da tempestade, tentando sempre fazer o mais correcto, protegendo sempre as crianças, mesmo quando atacada de forma cruel e tendenciosa pelos miúdos e colegas de profissão.
«Sala de Professores» foi escrito por Johannes Duncker e Ilker Çatak, que tiveram como ponto de partida a experiência de duas situações semelhantes à que surge no filme e que, acreditamos, se multipliquem pelo mundo fora. O factor diferenciador desta obra é o poder de observação e reflexão que o filme nos convida a ter sobre a sociedade em geral, e em particular dos professores. Os docentes sofrem cada vez mais, as suas posições são enfraquecidas e questionadas constantemente. Nowak enfrenta uma reunião de encarregados de educação que têm um grupo online, onde discutem as minudências das aulas, do currículo, as notas e o comportamento da professora, tratando assuntos pessoais num fórum público. O filme também observa a paixão de ser uma educadora e o carinho por todos os alunos, a tentativa de criar vínculos com o ensino sendo inclusiva, não discriminatória e positiva na inspiração e coesão de alunos que serão o futuro. É uma história onde vemos a discriminação, a mesquinhez e a maldade, o seu processo nocivo de erosão dos pilares do ensino, do futuro e, evidentemente, do bem. Torna-se ainda mais chocante quando esse processo de discriminação e manipulação é engendrado maliciosamente por adolescentes sob a bandeira da liberdade.
Esta magnífica alegoria é um filme de ensemble, os actores que interpretam os papéis de alunos da turma e os professores da escola foram muito bem escolhidos. Destaque para actriz principal, Leonie Benesch, acreditamos piamente que ela é mesmo uma professora expressando naturalmente uma torrente de sentimentos. Leonie Benesch criou uma segunda pele num assombroso e verosímil desempenho. Sublinho também o desempenho do jovem Leonard Stettnisch, que tem um papel muito interessante e complicado, está muito bem caracterizado a nível emocional numa espécie de espelho da personagem da professora Nowak, mas do ponto de vista do aluno.
Nomeado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, «Sala de Professores» é mais um sleeper hit, um filme precioso, a estrear nas salas de cinema. É um belo convite à reflexão e uma prova viva de que o cinema está bem vivo e recomenda-se.
Título original: Das Lehrerzimmer Realização: Ilker Çatak Elenco: Leonie Benesch, Anne-Kathrin Gummich, Rafael Stachowiak Duração: 98 min. Alemanha, 2023
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº103, Fevereiro 2024]
https://www.youtube.com/watch?v=JZC0yvbkzqQ&t=21s