De 28 de outubro a 6 de novembro, Lisboa volta a ser o epicentro do cinema feito por mulheres, com a 12.ª edição do Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival. Sob o lema “Semear Resistências, Cultivar Utopias”, o festival afirma-se como um espaço de pensamento, celebração e ativismo cultural, reunindo este ano 63 filmes (entre documentários, ficções, animações, experimentais), oriundos de 29 países, com ênfase em obras que exploram as múltiplas formas de resistência, liberdade e imaginação.
O Museu do Aljube – Resistência e Liberdade recebe a sessão inaugural a 28 de outubro, com a estreia mundial do documentário português «Mulheres, Terra, Revolução», de Rita Calvário e Cecília Honório, um tributo à força feminina inscrita na história da reforma agrária pós-25 de Abril. Já a cerimónia oficial de abertura, no dia 30, terá lugar no Cinema São Jorge, com a exibição de «Where the Wind Comes From» [foto de abertura], da realizadora tunisina Amel Guellaty — um road movie luminoso sobre a juventude que cresceu após a Primavera Árabe, entre a ironia e a esperança.
Ao longo de dez dias, o festival estende-se a seis espaços culturais — Cinema São Jorge, Cinemateca Portuguesa, Museu do Aljube, Casa do Comum, ISCTE-IUL e Goethe-Institut — propondo um encontro entre a arte, a política e a imaginação social. Entre as presenças de destaque estão a dupla egípcia Nada Riyadh e Ayman El Amir, com «The Brink of Dreams» (vencedor de Melhor Documentário em Cannes 2024), e a francesa Anaïs Tellenne, realizadora de «The Dreamer», filme que encerra a secção competitiva.
A programação deste ano inclui 53 filmes em competição e quatro secções distintas — longas, curtas, Travessias e Começar a Olhar — além de 41 estreias inéditas em Portugal (33 estreias nacionais, quatro estreias mundiais, três estreias europeias e uma estreia internacional). Pela primeira vez, o festival dá também um lugar de destaque às questões ambientais, com sessões dedicadas à relação entre o ser humano e a natureza e o workshop Can Cinema Help Save the Planet?, orientado por Fernanda Polacow.
Entre conversas, mostras especiais e atividades para famílias, o Festival Olhares do Mediterrâneo continua fiel à sua missão: dar visibilidade às vozes das mulheres e às histórias que o mundo precisa ouvir. “O mundo está em chamas — metafórica e literalmente — e para nós faz cada vez mais sentido programar filmes que nos façam pensar e agir”, afirmam as organizadoras. “Os filmes que escolhemos falam do mundo real e dos mundos possíveis. Preocupam-se com o presente sem deixar de acreditar nas utopias necessárias”, acrescentam. (ver abaixo a entrevista a Silvia Di Marco, da organização do festival)
Mais do que um festival de cinema, o Olhares do Mediterrâneo é um ato de resistência cultural — um gesto de esperança e de reinvenção do olhar sobre o mundo e sobre nós próprios, seja qual for a nossa nacionalidade ou cultura.

ENTREVISTA
Porque não perder esta edição do 12.ª edição do Olhares do Mediterrâneo – Women’s Film Festival
Na sua 12ª edição, é notório (e ainda bem) que o festival continua a crescer e este ano traz muitas novidades. Entre novas salas, debates e um workshop sobre questões ambientais, que pontos gostariam de destacar como os highlights deste ano?
Silvia Di Marco: Começava pela primeira sessão da edição deste ano, no dia 28 de outubro no Museu do Aljube. Vamos apresentar a estreia mundial do documentário «Mulheres, Terra, Revolução», de Rita Calvário e Cecília Honório, que oferece um retrato poderoso das mulheres rurais que fizeram parte da Revolução do 25 de Abril. O documentário é seguido por um debate com as realizadoras.
Imperdível é igualmente o filme da cerimónia oficial de abertura do Festival, no dia 30 de outubro no Cinema São Jorge, com «Where The Wind Comes From», da jovem realizadora tunisina Amel Guellaty. Um road movie cheio de energia sobre as aspirações e o desejo de liberdade dos jovens árabes.
Gostava de salientar, também, as duas sessões ligadas às questões ambientais. Sábado, 1 de Novembro, apresentamos a curta «O Jardim em Movimento», de Inês Lima, juntamente com a longa documental «Isto não é um jardim», de Marta Pessoa. Duas obras com imagens deslumbrantes que se debruçam com um olhar curioso, e às vezes irónico, sobre a nossa relação com o mundo natural mediada pelos jardins. As realizadoras estarão presentes. No dia 2 de novembro temos uma sessão de curtas de ficção e documentais, de vários países, que chamámos de “Cinema para um planeta ferido”, porque retratam várias formas de relação entre os humanos e a natureza em diversos lugares do mundo. Neste dia, de manhã, há também o workshop “Can cinema help save the planet”, com a guionista e realizadora Fernanda Polacow, que nos convida a pensar como podemos criar histórias para cinema que ajudem a transformar o nosso imaginário coletivo sobre a natureza.
Quero destacar, ainda, a sessão de sábado 1 de novembro de manhã, que intitulamos “Cinema de Resistência” porque recolhe curtas-metragens sobre a vida na Palestina, o Sahara Ocidental e o Curdistão, todos lugares de ocupação, onde as mulheres têm um papel essencial na resistência quotidiana. Estarão presentes a realizadora palestiniana, Shaimaa Awawadeh, e a curda-canadiana, Halime Akturk. Será, sem dúvida, uma sessão muito poderosa, que nos permitirá conhecer realidades muito distantes da nossa experiência comum.
Finalmente, não posso deixar de mencionar a mostra “Dois Olhares sobre a Guerra: Jasmila Žbanić e Mirjana Karanović”, na Cinemateca, onde apresentamos as obras de duas cineastas extraordinárias, uma bósnia, a outra sérvia, e onde estará presente a atriz e realizadora Mirjana Karanović.

Num mundo em que actualmente a esperança parece um luxo, como pode o cinema — e em particular o cinema feito por mulheres — continuar a “semear resistências e a cultivar utopias?”
Silvia Di Marco: Na verdade, no Olhares do Mediterrâneo achamos que é exactamente em momentos como o que estamos a viver agora que a esperança deve ser alimentada. O cinema conta histórias, reais ou imaginárias, e as histórias têm o poder de nos fazer pensar e mexer nas nossas emoções. Filmes que nos abrem para realidades que não conhecemos ou que testemunham situações que não podemos aceitar são instrumentos poderosos para semear resistência. Especialmente num festival, onde os filmes podem tornar-se o ponto de partida para conversas, debates e encontros com pessoas reais.
Entre o ativismo e a poesia, a denúncia e a celebração, como equilibram a urgência política do festival com o poder transformador da arte e da imaginação?
Silvia Di Marco: As duas coisas vivem perfeitamente juntas! É exactamente o poder transformador da arte que permite ao cinema ser político sem deixar de ter valor em si, enquanto obra criativa e formal. Por exemplo, no dia 29 de outubro haverá uma sessão de curtas experimentais na Casa do Comum. São cinco obras que vivem da sua própria estética enquanto objetos cinematográficos e que são, ao mesmo tempo, profundamente políticos.
Depois de tantas edições, como sentem o reflexo deste festival? Como definem actualmente a missão do mesmo e até onde gostariam de o levar – ou seja, o que é que ainda não fizeram e gostariam de vir a fazer?
Silvia Di Marco: Este ano, o Festival cresceu de forma um pouco inesperada. Não só estaremos em mais salas, mas temos também um grande número de convidadas. Praticamente em todas as sessões estarão presentes uma ou mais cineastas. Gostaríamos que este crescimento se estendesse também para fora de Lisboa. Temos um programa chamado “Olhares Nómadas”, através do qual, ao longo do ano, exibimos alguns filmes do Festival em diversas cidades e vilas de Portugal e no exterior. Gostaríamos de envolver mais cidades neste programa e com mais filmes.
Por fim, as pessoas não podem perder esta edição porque…
Silvia Di Marco: É uma ocasião única para ver filmes que não passam nas salas de cinema e encontrar cineastas de muitos países diferentes num contexto descontraído e amigável, que é muito próprio dos festivais pequenos.


