O que há mais para explorar no universo criado, porém limitado, de John Krasinski? O ator e realizador procurou, nos fins da Humanidade, tecer um filme de família (aliás, é nessa vertente que abraça em doses literalmente mercantis no seu «If: Amigos Imaginários») e conseguiu. Talvez meio embusteiro no que se refere à promoção de uma narrativa de “silêncios e sussurros” (promessa destruída pela intrusiva música, maldita Hollywood e as suas manias e vícios!), criou um díptico bem spielberguiano que é «Um Lugar Silencioso». Falamos de Spielberg porque em Krasinski deparamos com uma realização segura e entendida nesses códigos familiares de entretenimento para massas, sem nunca ceder ao gratuito e ao despachado, e pontuado os laços afetivos como catalisadores dessa emoção cinematográfica.
Quatro anos depois do segundo tomo, caímos de pára-quedas nesta assumida prequela cujo subtítulo não esconde ‘coisa’ alguma – “Dia Um”. Fiquemos avisados: o mundo como o conhecemos será invadido por criaturas de outros cosmos, ultra-sensíveis a ruídos, que “aterram” na cidade mais barulhenta do mundo – Nova Iorque – em jeito de tragicomédia. No centro desta “Guerra dos Mundos” de baixa escala temos a sempre em forma Lupita Nyong’o – mantida, e bem, no cinema de género – uma mulher em contagem decrescente nessa matéria vivente; um cancro terminal é uma ameaça etiquetada no seu quotidiano fragmentado que, após conhecer os antagónicos “alienígenas” (visualmente pouco imaginativos, digamos), demanda-se na busca da última pizza nova-iorquina, um símbolo que, para ela, tem importância sentimental, mas que para o espectador é um ‘artefacto’ memorialista da Humanidade em prazo de expiração.
Nesse cenário pós-apocalíptico que, num ápice, reveste a “Big Apple”, «Um Lugar Silencioso: Dia Um» – agora sob a batuta de Michael Sarnoski («Pig») – numa coletânea de simbolismos de Armagedão, das ruínas em que aqueles arranha-céus, marcos civilizacionais, se convertem, ou daquela imagem que o plano persiste, a dos nossos protagonistas (juntemos Joseph Quinn à equação e um felino de nome Frodo que delícias irá fazer) abraçados, consolidando medos e pesares no meio de uma Harlem envolvida numa quietude aterradora, de escombros e destruição como decoração, e uma labareda constante, marca identificável dessa destruição, a ascender dos esgotos como um convite danteano. Esta particular cena (que me rendeu, confesso) reflete o espírito esforçado da produção em trazer o humanismo ao seu limite, e igualmente um ponto final digno a esse antropocentrismo – “somos o Nada, e ao Nada regressamos”.
Não julguem, com isto, que «Um Lugar Silencioso: Dia Um» é o apogeu do existencialismo à porta do término do antropoceno, é, sim, uma produção hollywoodesca com lições estudadas e aplicadas do anterior, com uma factor humano mais fortalecido nos seus segmentos. E Lupita, essa força maior na selva de asfalto, a “donzela” (não indefesa) capaz de trazer-nos a centelha humana à ausência que o espectador deparará. Quanto ao gato, referência clara a “Alien” de Ridley Scott, é uma aposta ganha.
Titulo original: A Quiet Place: Day One Realização: Michael Sarnoski Elenco: Joseph Quinn, Lupita Nyong’o, Alex Wolff, Djimon Hounsou Duração: 100 min. EUA/Reino Unido, 2024
https://www.youtube.com/watch?v=chNkGNAeCI8&t=6s