Em «Só Nós Dois» Rose (Virginie Efira) convida a sua irmã gémea, Blanche (Virginie Efira), para uma festa, para a animar face à última deceção de amor. Renitente, Blanche acaba por ir e reencontra um ex-namorado, Gregoire (Melvil Poupaud). Com a abordagem certa por parte dele, ela deixa-se envolver e dá-se o início de uma história de amor (quase) perfeita. A partir daí, o próximo passo é o casamento, o primeiro filho e a felicidade eterna. Mas tudo muda quando Gregoire afirma que foi promovido e terão que se mudar para a outra ponta de França, afastando Blanche da sua irmã gémea e da sua mãe e amigos, e da vida que levava até então. A partir desse momento, as coisas começam a mudar. Se calhar, trabalhar fora de casa não é uma boa ideia, almoçar com as colegas muito menos, e tudo corre bem apenas quando Blanche cumpre com as obrigações, e horários, que o marido estipula.

Gradualmente, a história assinada por Audrey Diwan e Valérie Donzelli a partir do romance “L’Amour Et Les Fôrets” de Éric Reinhardt, vai ganhando outros contornos e um Gregoire manipulador, controlador e abusador ganha lugar e espaço, atacando vorazmente a individualidade e liberdade da esposa. Longe de todos, Blanche entra num carrossel de emoções, não percebendo bem como é que o sonho passou a ser um pesadelo, e como de repente está presa numa vida sufocante e violenta. No momento em que decide testar os limites da sua liberdade, inscrevendo-se numa aplicação de encontros e procurando noutra pessoa o que o seu marido já não consegue oferecer, Blanche assina a sua sentença de “quase” morte e somos levados com ela num labirinto escuro de grande tortura, de onde só queremos sair o mais rápido possível.

Infelizmente, esta é uma realidade dramática vivida por muitas mulheres no mundo inteiro e se, por um lado, «Só Nós Dois» de Valérie Donzelli parece não levar a lado nenhum novo, por outro, se calhar, é mesmo aqui que a realizadora nos quer. Na presença daquilo que é a vida de milhares de mulheres, e de homens, e que é preciso não esquecer. Talvez muitas destas pessoas nunca percebam os sinais, e este filme pode ser uma forma de lhes trazer consciência. Mas acima de tudo, este é mais um trabalho de ator fabuloso de Virginie Efira e de Melvil Poupaud, que se entregam e se transmutam, e nos fazem sofrer e embrulhar o estômago com eles. No final, a família e as pessoas que vão aparecendo pelo caminho podem ser a rede de segurança que alguém nesta situação necessita, mas o primeiro grande passo para sair deste enlace aterrorizante começa sempre nos protagonistas, no seu despertar e na sua coragem, o que muitas vezes é simplesmente impossível.

Título Original: L’amour et les forêts Realização: Valérie Donzelli Elenco: Virginie Efira, Melvil Poupaud, Virginie Ledoyen Duração: 105 min. França, 2023

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº102, Janeiro 2024]

https://www.youtube.com/watch?v=AVQDnqqw46Y&t=7s

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