Problemista

Numa altura em que a experiência dos imigrantes nos Estados Unidos está no centro do debate público, especialmente devido aos desafios burocráticos e sociais que enfrentam para permanecer no país, Julio Torres apresenta uma abordagem surrealista ao tema. O cineasta, que se tem destacado em projetos onde assume os papéis de ator, realizador e argumentista (por exemplo a série «Fantasmas»), também viveu essa realidade. Nascido em San Salvador, emigrou para os Estados Unidos após convencer a família a financiar a sua viagem com uma apresentação elaborada. Mudou-se para Nova e Iorque e formou-se no Eugene Lang College of Liberal Arts, em 2011, chegando ao Saturday Night Live em 2016.

São vários os aspetos da sua vida que Julio Torres transportou para «Problemista» (2023), reinventando acontecimentos ou ampliando-os através da sua estética visual. Um exemplo curioso é a história de uma vidente, que teria dito à avó que um dos seus descendentes alcançaria o sucesso em Nova Iorque: uma profecia que, de certa forma, podemos dizer que se concretizou.

«Problemista» (2023) é um filme surrealista e cómico que combina a crítica social com uma narrativa excêntrica e visualmente inventiva (e interventiva). O filme, agora na SkyShowtime, acompanha Alejandro (Julio Torres), um jovem de El Salvador que sonha tornar-se designer de brinquedos nos Estados Unidos. Apesar da sua criatividade e proatividade, os seus projetos peculiares e a sua dificuldade em percorrer o complicado “labirinto” de imigração americano colocam o seu futuro no país em risco.

Para tentar manter o visto de trabalho e continuar a seguir o seu sonho, Alejandro aceita trabalhar com Elizabeth (Tilda Swinton), uma crítica de arte caótica, temperamental e obsessiva. O seu emprego passa por ajudá-la a organizar os arquivos do seu marido “congelado”, um pintor que diz ter sido injustamente ignorado pelo mundo da arte. Esse encontro improvável transforma-se numa viagem frenética, onde Alejandro, a passar uma fase muito difícil, tem ainda de lidar com a imprevisibilidade de Elizabeth – que se passa com pessoa com facilidade –, burocracias bizarras e a hostilidade de um sistema que parece querer esmagá-lo.

A abordagem de «Problemista» (2023) é marcada por um estilo altamente visual, que mistura o real com o surreal, criando cenas que desafiam a lógica convencional. Julio Torres recorre à sua sensibilidade do absurdo para destacar temas sérios, como a precariedade da vida dos imigrantes, a dureza do capitalismo e a elitização da arte. O universo apresentado parece, por vezes, saído de um devaneio febril.

Podemos dizer que na tríade em que se tem apresentado, há um papel em que Julio causa menos impacto: o de protagonista. Assim como acontece com cineastas como Woody Allen ou Noah Baumbach, as suas personagens principais tendem a refletir uma variação de si mesmo: figuras introspetivas, socialmente deslocadas e ligeiramente neuróticas, que navegam num mundo que parece complicado para elas. Por sua vez, ocupar frequentemente essa posição tem as suas vantagens e desvantagens.

Embora essa abordagem funcione dentro do universo peculiar que Torres constrói, a sua interpretação muitas vezes apresenta e mantém, ao longo do filme, um registo contido e pouco versátil, o que pode dar a sensação de que os seus protagonistas são um e apenas muda o contexto. Não obstante, essa escolha também reforça a coerência de sua estética enquanto autor multifacetado, sendo que a identidade do criador e da obra se entrelaçam de forma quase indissociável.

Título original: Problemista Realizador: Julio Torres Elenco: Julio Torres, Tilda Swinton, RZA Origem: EUA Duração: 104 minutos Ano: 2023