Sasquatch, Pé Grande ou até “Skunk Ape” — e ainda se contam mais designações para esta criatura símia que muitos acreditam viver entre nós, no continente norte-americano. A crença na sua existência é mais antiga que a própria América, mas ganhou nova vida com o impacto do famoso filme «Patterson-Gimlin» (1967), nesse registo, os homónimos autores, inicialmente dedicavam à rodagem improvisada de uma obra de ficção, tendo “porventura” captado algo que lhes desviou as atenções: uma figura humanoide a passear perto de um leito de rio seco, o tal cenário das suas filmagens. O vídeo atraiu imediatamente a atenção mediática e, até hoje, é amplamente debatido quanto à sua veracidade: para uns, trata-se de um embuste: alguém num fato de macaco encenando uma feralidade, para outros, incluindo os próprios cineastas, que juraram até ao leito de morte pela autenticidade da criatura, o vídeo é uma prova irrefutável. Até aos dias de hoje, surgem esporadicamente vídeos e testemunhos que sugerem avistamentos destes “bichos do mato”. Muitos são rapidamente desmontados, mas a figura do Pé Grande persiste como uma subcultura vibrante dentro da cultura americana. No Festival Slamdance de 2020, por exemplo, estreou o documentário “Big Fur” (de Dan Wayne), que acompanhava o talentoso taxidermista Ken Walker enquanto se dedicava ao ambicioso projeto de criar uma recriação plausível da criatura mitológica. Walker, um crente convicto na existência do Pé Grande, procurou respeitar não apenas a criptozoologia, mas também o imaginário coletivo. Agora, seguimos para algo bem diferente — performaticamente diferente, para sermos exatos – em pleno Sundance, os irmãos David e Nathan Zellner, já munidos de “cartão de sócio” do festival (“Damsel”, “Kumiko, The Treasure Hunter”), apresentaram a bizarria “O Crepúsculo do Pé Grande”. A nova metragem, que parte de um falso documentário de vida selvagem, é protagonizado por atores, como Jesse Eisenberg e Riley Keough, que se transformam de corpo inteiro em Sasquatches, congregando um grupo familiar algo gregário, que luta para sobreviver às especificidades das quatro estações do ano. Escatológico quanto baste, lascivo quando necessário e satírico na exploração de uma existência animalesca, como se pode confirmar no plano final, uma espécie de contraste entre realidades e as suas respectivas e dúbias contradições. A jornada aos grunhos e urros faz-se com muito humor, explorando secreções, necessidades fisiológicas ou até mesmo com fluídos várias para entendedor basta, os Zellners conceberam uma obra onde os atores estão desprovidos de qualquer traço humanizado, incentivando um absurdo quase naturalista. Soa-nos um primo consanguíneo de «A Guerra do Fogo» (Jean-Jacques Annaud, 1981), mas ao invés de Cro-Magnons e Paleolítico, temos algo mais impalpável, situado numa contemporaneidade que assume a Natureza como palco de confronto. Nas entrelinhas, há uma mensagem ecologista e fatalista: o antropocentrismo é apenas uma questão de tempo. Os “bigfoots” subsistem num presente cada vez mais despido de lendas e folclores. Uma das melhores running gags do filme é quando a besta incorporada por Jesse Eisenberg (tentem adivinhar qual dele é), numa luta incessante contra as limitações cognitivas da sua personagem, a tentar contar até três — um ator em combate com a pele da besta primitiva que interpreta. No final de contas, “O Crepúsculo do Pé Grande” é uma comédia disfarçada de documentário da BBC, que por sua vez esconde uma crítica subliminar à perda das nossas crenças mitológicas num mundo cada vez mais desprovido de fantasia. Os Pés Grandes tornam-se, assim, o símbolo da esperança de muitos, de algo que ainda se esconde no mato, capaz de vencer o sentimento de um mundo supra-explorado e despojado de mistério.

Título original: Sasquatch Sunset Realização: David Zellner, Nathan Zellner Elenco: Jesse Eisenberg, Riley Keough, Christophe Zajac-Denek, Nathan Zellner Duração: 88 min. EUA, 2024


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