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A REVOLUÇÃO DO CINEMA

                                        PERNAMBUCANO



                                                     OPINIÃO
                                               JOSÉ VIEIRA MENDES




                                O cinema brasileiro habituou-  bolsonarista, o ‘combustível’ das políticas públicas:
                                se a girar no eixo Rio–São    o Funcultura Audiovisual, programa que fomenta a
                                Paulo. Entretanto, foi em     cadeia produtiva no estado, permitindo que curtas,
                                Recife que uma geração de     longas e formações saiam do papel e cheguem
                                gente  dos  filmes  montou    às salas. Sem romantismos: o sector reivindica
                                trincheira, talento e método.   reforço orçamental, mas o mecanismo existe e foi
                                No centro dessa viragem está,   estruturante para a massa crítica que hoje exporta
                                obviamente, Kleber Mendonça   filmes e talentos para os festivais internacionais de
                                Filho — crítico, programador,   cinema.
            realizador e agitador cultural — que transformou   E se Kleber é a cabeça desse movimento, o rosto que
            Pernambuco e a sua capital, o Recife, num polo    muitas vezes passa despercebido é Irandhir Santos,
            criativo de cinema, já com um forte impacto       que também merece destaque. Actor de presença
            global. Em 2025, «O Agente Secreto» estreou em    elétrica — de filmes como «Amarelo Manga» e
            competição em Cannes e saiu de lá com Melhor      «Febre do Rato» a «O Som ao Redor», «Aquarius»
            Realização para Kleber e Melhor Interpretação     e «História da Eternidade” —, Irandhir tornou-se
            Masculina para Wagner Moura; depois, foi escolhido   elo  entre  realizadores,  um  corpo  disponível  para
            para representar o Brasil no Oscar de 2026 e é um   compor, reescrever, arriscar. Em «O Som ao Redor»,
            forte candidato aos finalistas, aliás como o seu   o seu Clodoaldo é síntese da tensão social que o
            protagonista. Não é acaso: é consolidação.        cinema pernambucano tanto sabe tão bem filmar: o
            Kleber não apareceu do nada. Antes de filmar,     Brasil visto pela frincha de um condomínio.
            programou, escreveu, viu tudo. Essa bagagem       Chame-se ‘novo  cinema pernambucano’ ou
            está primeiro nas suas curtas, depois em «O Som   simplesmente bom cinema, o que emerge é um
            ao Redor» (2012), «Aquarius» (2016), «Bacurau»    ecossistema de realizadores muito talentosos:
            (2019) — que realizou em parceria com Juliano     Kleber, Juliano Dornelles, Marcelo Gomes,
            Dornelles — e, claro, no fabuloso documentário    Lírio  Ferreira,  Hilton  Lacerda,  Gabriel  Mascaro,
            «Retratos Fantasmas» (2023); são todas obras      Claudio Assis, Camilo Cavalcante, entre outros
            que diagnosticam a cidade e o país, misturando    e  tantas  equipas  que  trocaram  vaidades  por  um
            realismo, alegoria e ironia. Em «O Agente Secreto»,   método colaborativo. O resultado são filmes com
            o realizador regressou ao Recife de 1977 para     uma linguagem própria — a contaminação entre
            confrontar fantasmas da ditadura com a pulsação   documentário e ficção — a olhar de frente temas
            do presente; não por acaso, a crítica internacional   que importam: desigualdade, violência (explícita
            reconheceu-lhe ambição e fôlego popular.          e contida), especulação urbana, memória, cultura
            Nada disto se faz sozinho. Ao lado da produtora   popular, alegria e raiva. O Recife virou metáfora de
            francesa Emilie Lesclaux — que também é sua       um país inteiro.
            mulher —, que consegue fortes apoios internacionais   Assim, «O Agente Secreto» não é apenas mais um
            para os seus filmes, Kleber Mendonça Filho ajudou a   candidato brasileiro ao Oscar: é a prova de que filmar
            fundar e a dirigir o Janela Internacional de Cinema   a partir de Recife deixou de ser gesto periférico para
            do Recife. Este festival alimenta formação de público   se  tornar  o  centro  de  gravidade.  Há  uma  política
            e circulação de obras, de clássicos a independentes   de fomento, há um festival de cinema, há uma sala
            contemporâneos. O Janela reencontrou em 2024      histórica viva, há uma geração que pensa cinema
            a sua casa simbólica, o Cinema São Luiz, reaberto   como bem comum. E há o público, que volta ao São
            após obras, um palácio Art Déco que é, ao mesmo   Luiz não por nostalgia, mas porque a ‘tela grande’
            tempo, sala, personagem e manifesto da cinefilia na   continua a ser o lugar onde o Brasil se revê, crítico,
            cidade.                                           contraditório, vibrante. Pernambuco mostrou um
            Há, ainda, agora, depois do nefasto período       caminho. O resto do país que agora venha atrás.








                                                                                                                                                                      sempretu-ofilme.pt  @ParamountPortugal  #SempreTuFilme
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