Com alguns anos de distância e os olhos postos na sequela, percebe-se o caminho para a chave de mistério do Joker original de Todd Phillips: encenar uma tragédia americana com a grande definição da transgressão. Agora, tudo isso mantém-se inalterado, mesmo quando a génese seja o musical. O musical imaginado. As canções que Arthur e Harley cantam são figuração da sua demência. Cantam para fugirem da sua esquizofrenia.

Mas também dançam porque estão apaixonados: Arthur Fleck já é Joker que pensa que pode ser Arthur e Harley também está em crise identitária, mulher sem medo da mentira que sonha num plano de fuga ao nível do que soubemos de Vale dos Judeus.

Phillps vai pelo romantismo de dois psicopatas sonharem com o amor, mas também é épico a filmar o circo do julgamento, onde Joker e a sua loucura continuam a ter fãs. Uma personagem que se compraz com a sua dimensão de estrela pop, ídolo de uma matilha que podia ser a mesma que invadiu o Capitólio.

E nessa jukebox constante somos brindados com canções de Brell mas também o tema A Roda da Fortuna, de Minnelli, passando por Tom Jones ou Daniel Johnston, sobretudo standards, melodias para nos pedirem medidas com essa ideia de vénia à Hollywood clássica ou então perguntar se hoje é possível encenar uma fantasia de cinema com violência psicológica forte. A resposta talvez passe por um novo corpo de tragédia em cinema. Talvez, pois as falhas estruturais da narrativa são algumas e ameaçam anular esse efeito de encadeamento, embora o holofote da câmara de Phillips saiba ser sempre grandioso e sedutor.

Quando se fala de tragédia aqui, pensa-se num fulgor romântico, quase sempre inesgotável e sumptuosamente coreografado. Uma coreografia que remete para um sentimento de movimento. Movimento dentro de um plano de cinema – isso hoje em dia vale alguma coisa?
Aí o número de emagrecimento de Joaquin Phoenix faz sentido nas escalas dessa tal coreografia, tão perto do sonho, tão dentro do pesadelo chuvoso.

Se calhar, nem de propósito, a matéria mais interessante desta sequela seja a de criar um ambiente de parábola maior com os perigos dos extremismos e da alienação pura. E é por isso que o medo que nos assalta em todo o fatalismo destes destinos negros é bem palpável, mesmo sem o efeito novidade do primeiro tomo. Se a isso se juntar a falta de bom senso de haver menos Lady Gaga do que era preciso, cedo se conclui que é possível entender as reações algo mornas em Veneza – numa das sessões da imprensa ouvia-se aquele silêncio de desilusão. As expectativas altíssimas também não ajudavam. Ainda assim, dê por onde der, o alvoroço que estas imagens trazem são sempre uma recompensa única no espírito do espectador. E, felizmente, é tudo menos um filme a dar aquilo que o “fan boy” pede.

Título Original: Joker: Folie à Deux Realização: Todd Phillips Elenco: Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Zazie Beetz Duração: 138 min. EUA, 2024

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