A espera foi longa, mas valeu a pena. Cinco anos depois do seu filme anterior, «Dumbo», concebido sob a tutela da Disney, Tim Burton pôs fim ao jejum das produções cinematográficas – traumatizado que ficara com a asfixia artística dentro dos grandes estúdios – e regressou literalmente à sua marca original. Fê-lo, por um lado, assinando uma sequela do seu primeiro sucesso da carreira, «Beetlejuice – Os Fantasmas Divertem-se» (1988), e por outro, recuperando a verve de uma certa desfaçatez embriagante do seu cinema mais genuíno; aquele terror alegre recheado de idiossincrasia gótica, capaz de gerar diversão e crítica num só golpe genial.
Quando dizemos “espera”, não é apenas em relação ao filme anterior: já em «A Casa da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares», de 2016, se sentia que Burton estava criativamente amarrado, o que corresponde a quase uma década de identidade ferida. E se há curativo para essa espécie de ausência forçada, sem dúvida, «Beetlejuice Beetlejuice» faz figura de água miraculosa… Um filme que liberta o animal enjaulado e o deixa à solta durante 1 hora e 40 minutos de puro prazer, entre sons e imagens que se cosem uns às outras num imaginário delirante.
Talvez não tivéssemos verdadeira noção disso, mas as saudades de Beetlejuice eram muitas, esse vigarista do Além que Michael Keaton interpreta com o espírito certo de malvadez desdentada, pronta a animar o Halloween e a levantar da tumba os bons fantasmas adormecidos de Burton. O que dizer do novo argumento? É impossível pôr em burocráticas palavras de sinopse esta aventura que parte, mais uma vez, da casa assombrada onde tudo começou. Aumenta-se a intriga entre vivos e mortos, assim como a galeria de personagens, mas não se sucumbe à lógica do vazio atarefado: nenhuma personagem é acessória, todas são peças fundamentais de uma arquitetura inventiva e aleatória que se afirma em cada detalhe visual, em cada tema da banda sonora, como se se patrocinasse uma viagem aos anos 80.
Muito justamente, «Beetlejuice Beetlejuice» tem sido celebrado como o regresso de Tim Burton à boa forma. Mas mais do que essa declaração de facto, importa perceber que este é um filme com um discurso vivo, um manifesto de humor selvagem contra o prescrito bom comportamento das atuais grandes produções. Assim como a (nova) personagem de Monica Bellucci volta à vida agrafando as várias partes do seu corpo decepado, também Burton colou os cacos da sua sulfúrica imaginação. É correr para o cinema!
TÍTULO ORIGINAL: Beetlejuice Beetlejuice REALIZAÇÃO: Tim Burton ELENCO: Michael Keaton, Winona Ryder, Jenna Ortega DURAÇÃO: 104min. 2024, Estados Unidos