“A Universidade das Cabras” de Christian Lax (edição Arte de Autor) é um livro extraordinário. Um romance apaixonante em formato de banda desenhada onde percorremos um mundo de cortar a respiração entre as cores, as formas e as paisagens de Christian Lax. É uma obra que abre os horizontes aos leitores e leva-nos dos Alpes franceses até à América passando pelo Afeganistão.
A história cruza gerações de uma família que deixa a sua marca no mundo através da transmissão do conhecimento por via da edução e da palavra. É uma história engenhosa que se inicia com Fortuné Chabert, um professor itinerante de 17 anos que percorre em 1833 as aldeias nos Alpes franceses. O seu chapéu (ao contrário da maioria dos seus colegas) tem três penas de ganso que atestam o seu saber em números, escrita e leitura. Fortuné enfrenta constantemente a ignorância de alguns, mas o carinho e abraço de um mar de crianças que dão ao professor itinerante o sentido da vida. A reorganização do ensino em França e o fim da itinerância leva Fortuné Chabert a sair do país. Ele cruza oceanos e procura a sua fortuna na Califórnia onde se depara com a cobiça e a vilania dos garimpeiros na corrida ao ouro. Fortuné apanha o trilho dos pioneiros no Arizona onde volta ao ensino com os miúdos das caravanas que seguem para Oeste. Um desvio, leva-o a instalar-se com uma tribo India onde cria família e estabelece a sua escola baptizada de “A Universidade das Cabras”. Na primeira parte do livro encontramos a intolerância face ao ensino e a oposição entre o “não ensino” que preserva conhecimento e identidade e a escola “institucional”. Isto tudo num cenário de aventura e um western.

Saltamos algumas gerações para o século XXI e encontramos Arizona Flores, a descendente de Fortuné. Ao invés do seu antepassado, Arizona utiliza o jornalismo como ferramenta de abertura de mentes. A obra demonstra a sua perspicácia ao criar uma história de pais e filhos e mais tarde uma conexão romântica. É também uma observação atenta à América de Trump e ao flagelo da violência das armas na escola. Esse trecho da obra aborda igualmente o racismo, a censura no jornalismo e a substituição dessa independência editorial pela internet.
Em 2018, o destino leva Arizona Flores até ao Afeganistão para uma reportagem sobre o corajoso trabalho de mulheres destemidas que vivem num país à sombra dos talibãs. Nesta incursão por terras afegãs surge o personagem que faz a ligação com o significado de Fortuné Chabert: Sanjar é um jovem professor itinerante que se torna guia e a paixão de Arizona no Afeganistão. Sanjar arrisca a sua vida para levar o ensino às aldeias remotas das províncias afegãs, o ensino às meninas está proscrito pelos talibãs. A obra termina com um soco no estômago, um desfecho arrepiante que conecta todos os pontos estabelecendo um paralelismo entre dois países distantes, mas que estranhamente andam de mãos dadas com a violência e onde a escola é insolitamente um palco de guerras ancestrais e culturais em pleno século XXI.
“A Universidade das Cabras” é uma ode à figura dos professores e da importância do ensino e da cultura. É igualmente um tributo de Christian Lax a todos professores e jornalistas que lutam para construir um mundo melhor, um lugar onde se pretende a igualdade e a harmonia com o ensino como ferramenta de emancipação face à intolerância e ao ódio.