“A Esperança Nunca Morre…” (Edições Asa) é uma saga com uma dimensão operática que redefine para sempre um dos grandes heróis da banda-desenhada franco-belga. É uma abordagem incrível de Émile Bravo. Este autor entra directamente para o panteão dos grandes mestres que dedicaram a sua criatividade e talento ao universo Spirou.

A saga “A Esperança Nunca Morre…” acompanha Spirou, Fantásio e Spip, três personagens icónicos, durante a ocupação da Bélgica pelos nazis. Ao olharmos para o epílogo do quarto tomo, fica a promessa que esta saga também fará mais sentido em termos cronológicos, tornando-a numa prequela que faz a ponte para um mundo que os fãs conhecem profundamente.

A história desta saga começa em 1940, num Inverno austero em Bruxelas. Ao clima rigoroso junta-se a incerteza da chegada dos nazis. O nosso herói Spirou trabalha como paquete no Hotel Moustic e Fantásio está alistado no exército belga. O enredo tem um ritmo majestoso e vai ganhando detalhe e grandiosidade no perfilar de uma multiplicidade de personagens. Uma importante característica desta saga é a exploração da psique de Spirou e Fantásio, há um cuidado de observar a psicologia (se preferirem: as motivações) dos heróis e só depois se parte para a acção propriamente dita.

Por decorrer numa Bélgica ocupada pelo regime nazi, a aventura leva a que os protagonistas estejam rodeados de situações de asfixia social e política. Além de conservar as principais características dos nossos heróis, Émile Bravo habilmente colocou diversas sub-narrativas na história que envolvem não só a opressão nazi sobre os inocentes, a perseguição política e o antissemitismo como também as movimentações da resistência na defesa da liberdade. Spirou estabelece uma relação de amizade com um simpático casal alemão de origem judia que se encontra em Bruxelas, assim o nosso herói começa a compreender a causa judaica. O casal de artistas Felka e Felix existiram na realidade e a forma como o quarto tomo termina leva-nos as lágrimas não só pela gravura apresentada no livro como também pelo seu significado e o texto de referência que nos recorda que, apesar de estarmos perante uma banda-desenhada de heróis populares, o pano de fundo foi penosamente real e negro para milhões de pessoas. Esta saga conseguiu encontrar esse equilíbrio entre a comédia, o drama e a aventura com estes personagens de referência.

Spirou e Fantasio vão estabelecendo vários vínculos (uns melhores do que outros). Na galeria de personagens há de tudo: de crianças a camponeses, de resistentes a colaboracionistas. Os nossos heróis são personagens pivot que vão circulando por estes diferentes microcosmos da sociedade belga sobre o jugo do opressor.

Fantásio actua pela calada, mas só percebemos o motivo das suas movimentações até estas serem finalmente reveladas a Spirou.  Ele está ligado à corrente ao longo da saga, só faz disparates e coloca o seu amigo em apuros. Spirou é o sentimento da revolta perante a injustiça da deportação dos judeus, até as crianças que têm de utilizar uma estrela de David por serem judias e que estão impedidas de frequentar parques públicos devido à sua etnia. Mas Spirou mantém sempre uma atitude de não responder à violência com a violência, com um discurso humanista e de compreensão pelo próximo, ele procura o entendimento em vez da agressão.

O último volume de “A Esperança Nunca Morre” encerra com chave de ouro um magnífico melodrama sobre a natureza humana. É uma obra que transcende as fronteiras da banda-desenha, conferindo não só um significado para dois ícones da BD como também deixando um importante legado para as gerações futuras, que ao conhecerem o passado (a guerra e o holocausto) devem esforçar-se por construir um futuro harmonioso para todos.

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