Na sua estreia na longa-metragem, o realizador Víctor Iriarte recupera alguns dos fantasmas históricos de Espanha para criar a narrativa intrigante de uma mãe em busca do filho. Vera (Lola Dueñas) deu o filho recém-nascido para adoção e, quando o tentou encontrar, só encontrou portas fechadas e indicações de que o seu processo não existia. Como a abertura do filme bem nos avisa, pode não parecer, mas esta é uma história de terror. O pesadelo de uma mãe que parece ser incapaz de encontrar o caminho para o filho.
«Sobretudo de Noite» (2023) remete-nos para o caso dos “bebés roubados” durante a ditadura de Franco, mas que terá continuado mesmo nos anos subsequentes. Durante décadas filhos foram separados dos pais, com mecanismos criminosos e corruptos, sendo que as vítimas não encontravam depois qualquer apoio. Uma autêntica luta contra o mundo, como sentimos pela perspetiva de Vera, que partilha com a audiência uma emotiva carta para o filho.
Mas este não é um filme linear. «Sobretudo de Noite» (2023) constrói-se e desconstrói-se progressivamente e sucessivamente, revelando novas perspetivas e contextos sobre a história que nos é dada a conhecer. Não necessariamente para desmentir o lado de Vera, mas antes para tornar o quadro completo e revelar a trilha de corrupção que parecia criar uma guerra impossível. Não obstante, a força inabalável de Vera acaba por encontrar uma primeira solução: quando ela começa a jogar com as mesmas cartas dos seus, até então, opressores.
Já Cora (Ana Torrent) acredita que a mãe do seu filho adotivo Egoz (Manuel Egozkue) morreu no parto. Uma trama tantas vezes recheada de mentiras que, quando somada à tarefa sobrehumana de Vera, parecia garantir que os dois lados nunca se iriam cruzar. Uma caminhada dolorosa e sombria, onde os traumas do passado nem sempre são sonoros e, como tal, a tela usa as suas ferramentas de contextualização visual para preencher os espaços que vão ficando em branco.
Sem pressas nem truques, «Sobretudo de Noite» (2023) não é apenas um filme, é um testemunho. Um registo de uma história negra de Espanha, que ainda em anos recentes tem ecoado nos círculos judiciais e noticiosos. Com uma abordagem quase literária, apoiada em planos detalhados (não apenas com as personagens, mas com mapas e outras ferramentas de enquadramento), Isa Campo, Víctor Iriarte e Andrea Queralt assinam um argumento emotivo e íntimo, que coloca a audiência como mais uma testemunha de um acontecimento tantas vezes ignorado ou desconhecido. Com um lado humano bastante forte, a longa-metragem caminha para todo o lado e lado nenhum, já que o seu propósito não habita apenas em Vera e no seu filho.
Título original: Sobre todo de noche Realização: Víctor Iriarte Elenco: Lola Dueñas, Manuel Egozkue, Ana Torrent Duração: 95 min. Espanha, 2023
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº109, Agosto 2024]