Desde que as primeiras imagens de «Bucking Fastard» circularam na web, com as irmãs Rooney e Kate Mara a viverem um drama fraterno, Werner Herzog não desgruda dos holofotes do Marché du Film do 78º Festival de Cannes. O seu novo exercício documental (já em fase de finalização), «Ghost Elephants», e sua aposta em um projeto de animação ampliam os interesses da indústria pela sua produção mais recente. O seu legado nunca saiu de evidência da Croisette, que lhe deu o troféu Le Carrosse d’Or [Coche de Ouro], uma honra da Quinzena de Cineastas, em 2017 [foto]. Dois anos depois, ele foi até lá para um debate com Julianne Moore e Xavier Dolan. Agora, usa o evento francês para ser a plataforma de promoção de novas investigações sobre a inquietude.
“O cinema permite que eu tangencie a fronteira entre a ordem racional, que uns chamam de civilização, e a natureza, com suas regras incontroláveis pela razão”, disse Herzog à METROPOLIS em entrevista em França.
Fã de Eddie Murphy, que o fez rir como ninguém, ele é entusiasta da obra de Ruy Guerra, a quem dirigiu um par de vezes. Fora isso, ao falar de arte, refere-se mais a poemas do que a filmes. Movido pelo desejo de desfiar ilusões da moral, Herzog instiga cinéfilos com as cenas de Rooney e Kate, em «Bucking Fastard», que se alastraram pela “feira do cinema” de Cannes – e pela internet. Fala de duas irmãs que compartilham amorosamente o mesmo homem e têm sonhos em comum, como se fossem um ente só.
“Todos os espetáculos da vida brotam da Natureza”, diz Herzog, hoje com 82 anos.

Ele dedica-se ao audiovisual desde 1961, quando começou a produção da curta-metragem «Herakles» (finalizado no ano seguinte, como marco da sua estreia como realizador). Ele também é professor, escritor (lançou há pouco o fascinante “O Crepúsculo do Mundo”, pela Editora Todavia) e ator (é o vilão da série «The Mandalorian», da Disney +, derivada de “Star Wars”).
Nos últimos 20 anos, virou um dos documentaristas de maior relevo da não ficção, depois de lançar «O Homem Urso» («Grizzly Man», 2005), premiado nos festivais de Sundance, nos EUA, e Sitges, na Espanha. Nesse mesmo registo, fez «Encontrando Gorbachev» [«Meeting Gorbachev»], que brilhou no Festival de Tribeca 2019.
Em Cannes, destacou-se por joias como «O Enigma de Kaspar Hauser», que lhe deu o Grande Prêmio do Júri em 1975, além da Láurea do Júri Ecumênico e da Láurea da Crítica, dada pela Fipresci (Federação Internacional de Imprensa Cinematográfica).
“A loucura vira estética quando alimenta potências”, disse Herzog à Berlinale, há dez anos, ao lançar «Rainha do Deserto», com Nicole Kidman.
Em 2023, apresentou uma exposição de fotos em objetos das suas filmagens no Filmhaus, em Berlim. A galeria destacava duas passagens por Manaus, nas filmagens do cult «Fitzcarraldo», pelo qual recebeu a láurea de Melhor Direção no Festival de Cannes, em 1982. Retratos de Claudia Cardinale e do seu ator assinatura, Klaus Kinski (1926-1991) estampam as paredes do apelidado Museu do Filme de Berlim. Tem temos um rato empalhado (ou talvez seja um boneco, ninguém da curadoria confirma) que acompanhou Kinski nas suas noites como vampiro na versão que Herzog fez de «Nosferatu», de Murnau, à sua maneira autoralíssima, em 1979.
Cannes segue até o dia 24 de maio.