O Motelx está de volta e atinge a maioridade! Eis a oportunidade ideal para conversar, de forma breve com os diretores de sempre do festival, João Monteiro e Pedro Souto. A edição deste ano, ao coincidir com os 50 anos da revolução, celebra a liberdade e o fim da censura em Portugal, que visou de forma particular o cinema de terror, Falou-se do “estado da arte” do cinema de terror, em termos globais, dos regressos ao festival de um conjunto de realizadores na seção de longas-metragens, da produção nacional deste ano e da importância do “Meliés d’or” para os realizadores portugueses e no final foram anunciados os filmes que vão abrir e fechar a edição deste ano.
A maioridade chega nos 50 anos do 25 de Abril, como assinalam na apresentação desta edição. A censura visou especialmente o cinema de terror: podem explicar-nos as razões desta situação? O Motelx é um “filho” da Liberdade? Na programação como vai ser celebrada a liberdade?
João Monteiro: O cinema de terror era problemático para a censura pela sua componente sexual e blasfema, esses são os principais motivos de censura das obras de terror. Os números fornecidos pela Torre do Tombo são bastante expressivos em relação à escassez de terror nos ecrãs portugueses durante o Estado Novo: 23 filmes de terror foram submetidos à classificação do SNI, 16 foram proibidos e apenas 7 estrearam com cortes. Perante estes números, creio que podemos afirmar que o MOTELX é um filho que só poderia ter nascido em Liberdade. O programa especial “A BEM DA NAÇÃO: FILMES DE TERROR PROIBIDOS PELO ESTADO NOVO” recupera 5 filmes, um numa sessão surpresa a acontecer na sala Rank do Cinema São Jorge onde, reza a lenda, o SNI usava para o seu trabalho. Antes destes filmes, serão exibidos igualmente os trailers dos restantes filmes proibidos para que o público tenha acesso a estes títulos e às suas imagens. A secção QUARTO PERDIDO também se junta à festa com a exibição da única longa-metragem de António Victorino D’Almeida “A Culpa” sobre um soldado que regressa da guerra colonial e a sua incapacidade de reintegração na sociedade portuguesa acaba por transformá-lo num lobisomem. Nesta secção será exibido igualmente uma curta produzida em 1977 pela célula de cinema do PCP com o título maravilhoso “As Desventuras de Drácula Von Barreto nas Terras da Reforma Agrária”.
A secção de longas-metragens assinala alguns regressos ao festival? Podem indicar quais e com que filmes?
João Monteiro: Em primeiro lugar, na competição de longas Méliès d’Argent temos o terceiro filme da dupla austríaca Veronika Franz e Severin Fiala, de quem já exibimos “The Lodge”. No Serviço de Quarto, temos “Cuckoo” de Tilman Singer, realizador germânico que esteve há uns anos no MOTELX com o filme de escola “Luz” e agora regressa numa co-produção com o EUA onde pontificam as presenças de Hunter Schaefer e Dan Stevens. Depois temos: o novo Ti West “MaXXXine”, “Sayara” do turco Can Evrenol (“Baskin” e “Housewife”); a nova comédia macabra de Jean-Christophe Meurisse, vencedor do prémio do público com “Bloody Oranges”, chamada “Plastic Guns”; também de França dois velhos conhecidos do festival Julien Maury e Alexandre Bustillo com “The Soul Eater” e finalmente Kôji Shiraishi com “Sayuri”, a sua obra anterior foi estreia mundial no MOTELX “A Beast in Love”.
Estreiam uma nova seção, a sala de culto. Quais as razões que levaram a decidir a criação desta seção? Que títulos vão fazer parte dela?
João Monteiro: Esta secção já existia, mas não tinha ainda um nome. Nos últimos dois anos, exibimos filmes como “Hotel da Noiva” ou “Serpiente de Mar”, filmes de culto que fizeram as delícias de um público que aprecia o bom série B. Essas sessões correram tão bem que resolvemos baptizar a sala 2 do São Jorge de “Sala de Culto” onde só passam objectos propícios a adoração mística. Então na senda dos anteriores filmes, temos este ano o telefilme “Experiência em Terror” de Dick Haskins, o maior escritor português de policiais, a quem a RTP incubiu de realizar uma série adaptada dos seus livros. O episódio “O Precipício” foi aumentado de 50 para 90 minutos e dos diálogos, aos actores, aos décors, estamos em território puro de culto tuga. Depois há uma surpresa, porque se trata de um filme de 2024, “A Espada e o Velho” de Fábio Powers, é um delírio trash série B, inteiramente rodado em aldeias do concelho de Castelo Branco, convocando influências de kung fu, anime e cultura pop nacional para um inusitado buddy movie que está a ser seleccionado para festivais no estrangeiro.
O prémio Motelx de Melhor curta de terror portuguesa tem a concurso alguns repetentes e no total inclui 10 curtas-metragens. Qual o balanço da “colheita” deste ano?
João Monteiro: O balanço é sempre positivo quando grande parte destes filmes são feitos especialmente com o MOTELX em mente. Temos dez filmes bastante diferentes uns dos outros e com uma novidade, após a selecção final percebemos que tínhamos um número recorde de realizadoras, o que é um sinal de mudança no paradigma do terror made in Portugal. De resto, saúdam-se os regressos de Chico Noras (“O Procedimento”), de João Pedro Frazão (“Santanário”), de Carolina Aguiar (“Parem de Olhar Para Mim”) ou de Carlos Calika (”Putto”). De salientar também o regresso de Paulo Leite (“The Night Hunter”) que estreou uma longa há uns anos chamada “Inner Ghosts”).
A variedade e abrangência caraterizam as escolhas nacionais para candidatos ao Meliés d’or deste ano. Podem falar-nos um pouco dos filmes a concurso a este prémio europeu? Qual a importância deste prémio para os cineastas portugueses?
Pedro Souto: São 8 os filmes portugueses em competição pelo Méliès d’argent, juntamente com outras 12 curtas-metragens europeias (não nacionais). O vencedor será o nomeado do MOTELX para a competição internacional Méliès d’or que junta os restantes vencedores dos festivais da rede Méliès, da qual fazemos parte. O anúncio do grande vencedor acontece em Outubro, no Festival de Sitges. Deste modo esta competição torna-se também uma boa oportunidade para a internacionalização. Os filmes portugueses são “Antes do Nascer da Lua” de Mário Patrocínio, num local misterioso, árido e inóspito uma família é guiada pela lua, “O Camaleão” de Tiago “Ramon” Santos, um tour de force do actor Rafael Lopes fechado em casa a alucinar, “Canto” de Guilherme Daniel, um assustador filme de época que acrescenta mais um capítulo com muitas sombras à obra do realizador, “Estéril” de João Pais da Silva, onde a religião e o fanatismo se juntam para um desfecho inesperado, “The Hunt” de Diogo Costa, uma animação hiper-violenta e implacável produzida por Bruno Caetano, “Nuclear” de David Falcão, com uma complicada estadia no campo que envolve telemarketing e estranhas personagens, “Quanto Pesa um Corpo?” de Gabriel Garcia Nery, um filme da Escola de Cinema onde um assalto a um café se torna num autêntico pesadelo, e “Unicorn Hunting” de Miguel Afonso, uma inesperada neo-tragédia surrealista.
O cinema de Terror continua a ter adesão nas salas de cinema, embora com títulos de qualidade desigual. Qual o estado da arte do género, por estes dias, em termos globais?
Pedro Souto: A popularidade do cinema de terror nas salas tem sido cíclica. Estamos num momento de resultados muito positivos em termos de receitas e isso permite (ou obriga) a estreia de mais obras de terror nos cinemas. Após a pandemia, a contribuição que o cinema de género — fantasia, sci-fi, terror — deu no retorno do público aos cinema foi notória e penso que este ciclo se iniciou aí. Mais público significa mais dinheiro para novas produções, aumentando assim a quantidade de filmes. Mas para termos uma visão geral em termos da qualidade, é necessário analisar não só as estreias em sala mas também as estreias no streaming, TVs, nos festivais, etc. Fazendo essa análise, o estado do terror actualmente é excelente, quer no que respeita a grandes produções, quer no que respeita a independentes.
Quais as vossas expetativas para a edição deste ano?
Pedro Souto: As nossas expectativas são sempre elevadas. Estamos muito contentes com a programação e com esperança que o público também venha a sentir o mesmo. O cinema português está forte, o que torna o programa ainda mais interessante. Tentámos também incluir algumas novidades, como é o caso do MOTELX AV Lab co-hosted by Liquid Sky Artistcollective e que vai acontecer no Beato Innovation District durante o Warm-Up do Festival (6-7 de Setembro). Estes 2 dias pretendem fundir a música electrónica e o cinema de terror, onde cada um poderá construir o seu próprio sintetizador e “fazê-lo gritar”, entre muitas outras actividades. O regresso ao MOTELX do GUIÕES – Festival do Roteiro de Língua Portuguesa, a acontecer nos primeiros dias, destaca a importância vital da escrita para cinema e acrescenta uma componente de laboratório e indústria que correu bastante bem no ano passado. Há ainda uma nova secção, já referida, e uma nova rubrica, a True Crime Night, na segunda, 16 de Setembro, com a exibição do chocante “The Lie”, um documentário da neozelandesa Helena Coan. Portanto, estão reunidas as condições para uma excelente edição.
Já podem revelar os filmes escolhidos para sessão de abertura e de encerramento?
Pedro Souto: “Speak no Evil” é o sufocante e perturbador filme de Abertura, com James McAvoy no papel principal. O britânico James Watkins – conhecido por “The Woman in Black” e “Eden Lake”– realiza uma nova versão de “Speak No Evil”, o filme dinamarquês que arrecadou o Méliès d’argent de Melhor Longa-Metragem Europeia no MOTELX 2022 que deixou marcas em muitos espectadores. No Encerramento, domingo, dia 15, será “The Surfer” a fazer as honras de fechar o Festival, neste falso último dia do Festival, que continua na segunda-feira 16. “The Surfer” teve a sua estreia mundial nas sessões da meia-noite do último Festival de Cannes. Realizado pelo irlandês Lorcan Finnegan (“Vivarium”), conta com Nicolas Cage como protagonista e em excelente forma. Ao regressar à praia idílica da sua infância na Austrália para surfar com o filho, Cage vê-se preso num conflicto com um grupo de locais, “donos” da praia. Materialismo, identidade e pertença, repressão de memórias, masculinidade e renascimento são alguns dos temas deste filme.