Page 11 - Revista Metropolis nº81
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"NÃO CONHECES NADA DE

                                                HIROXIMA"











                                                 OZU DE JADE

                                                   HUGO GOMES


                                A renúncia de Alain Resnais   do ‘agora’ (o aproveitamento do desastre como
                                em um novo tratado de         fonte turística e pedagógica, e a vida citadina pós-
                                ocidentalização     perante   bomba). Com esta coletânea, o sentimento geral
                                as   imagens    de   horror   foi o de criar uma réplica a «Noite e Nevoeiro», o
                                culminou no nascimento        que incomodou Resnais, que por entre o captado
                                do cinema moderno através     comboio turístico que convida “estranhos e
                                do seu «Hiroxima, Meu         estrangeiros” a passear pelas ruínas dos horrores,
                                Amor» (1959), filme que       cedeu à sua epifania. A exploração da miséria, e
                                viria conquistar os mais      sobretudo uma abordagem de ocidentalização às
            eternos amantes e alteraria o rumo de que as      dores dos outros, mais tarde para serem exibidas
            imagens poderiam naturalmente prosseguir.         em festivais com clara receção de aplausos e
            Hoje, não só tido como o celebrado homem          elogios  vários.  Desta  forma,  Alain  Resnais  não
            por detrás da poesia tecida em tempo real com     quis entregar ao Mundo mais um exercício de
            o  mencionado  filme,  Resnais  foi  também  um   distância, e através disso fintou os seus próprios
            realizador plenamente interessado na linguagem    fundos.  Contacta  a  escritora  Marguerite  Duras
            progressiva e radicalmente moderna, afastando     para conceber um guião ficcional, e contrata
            o dispositivo cinematográfico do mero contador    atores  profissionais  para  encenar  essas  suas
            de história, e sim, do abalo de consciências e    dúvidas no grande ecrã – Emmanuelle Riva
            sensibilidades (isto até se vergar pela hibridez   e Eiji Okada. O resultado pode ser resumido
            do teatro). Com "Hiroxima'' o caso poderá ser     nos seus primeiros 20 minutos; dois corpos
            resumido pelo primeiro ponto, e não fiquemos      distintos, suados que acariciam, proclamando
            por aí. Já experiente em documentários curtos,    gestualmente juras de amor, mas por entre  o
            o realizador subjugou-se a falatórios pela        calor  dos  amantes,  que  convém  sublinhar  ela,
            construção das imagens extraídas do Holocausto,   atriz  francesa,  ele,  arquiteto  japonês,  despoleta
            uma experiência ética de como as representar      um diálogo de contradições. Enquanto ela, de
            e apresentar ao mundo, resposta a Adorno e as     maneira ocidentalmente arrogante esquematiza
            suas preocupações de primeiro ego - “depois       os seus conhecimentos pela tragédia e pela cidade
            de Auschwitz, como fazer poesia”. O filme em      com um enorme absolutismo, ele impede-a de
            questão foi «Noite e Nevoeiro» (1956), e a partir   persistir nessa presunção - “Nada conheces
            daí, tendo em conta o resultado, Resnais obteve   sobre Hiroxima” – isto, intercalado por imagens
            um outro financiamento, novamente direcionado     documentais e encenadas dos horrores e do pós-
            para o lado documental. Desta feita, partindo     horrores, do mundo sarado que deseja esquecer,
            para o Japão, mais concretamente para a cidade-   ou melhor, esconder. O mundo nunca mais foi o
            fénix Hiroxima, recolheu, quer dos arquivos (os   mesmo depois de Hiroxima, o “evento” como o
            horrores imediatos ao “incidente” nuclear), quer   filme, o inaugural ensaio do cinema moderno, do










                                                                                       c   r   ó   n   i   c  a
                                                                                        METROPOLIS DEZEMBRO 2021   10
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