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ção de impotência perante um sis-
                                                                              tema que parece imóvel, transfor-
                                                                              mando cada pequeno avanço legal
                                                                              numa vitória conquistada a pulso.
                                                                              A série cresce nesse equilíbrio en-
                                                                              tre emoção e estrutura, entre o de-
                                                                              talhe íntimo e a engrenagem fria
                                                                              das instituições, criando uma at-
                                                                              mosfera densa em que a justiça não
                                                                              chega como clímax explosivo, mas
                                                                              como o resultado árduo de uma re-
                                                                              sistência contínua.


                                                                              Mais do que reconstruir um caso
                                                                              mediático, «Contra a Lei» recorda-
                                                                              -nos o poder transformador da per-
                                                                              sistência individual perante a má-
                                                                              quina pesada do Estado. A batalha
                                                                              de Ann e Charlie Ming não se esgo-
                                                                              ta nos tribunais: é na arena legisla-
            A LEI QUE NÃO OUVE NEM SENTE                                      tiva que a pressão da família levou
                                   FILMIN                                     o Reino Unido a rever, em 2003, a
                                                                              histórica  lei  do  duplo  julgamento.
                                                                              Ao recuperar esta história, a série
                                                                              não olha apenas para o passado:
            ta não apenas o assassino da filha,   formam uma frente de combate   lança uma reflexão atual sobre a
            mas também a rigidez indiferen-  contra algo muito maior do que   relação entre lei e humanidade e
            te de um sistema que parece feito   um criminoso: um sistema jurídico   sobre o que acontece quando o sis-
            para não mudar. É nessa sobrieda-  pesado, lento e autojustificado, que   tema deixa de servir as pessoas que
            de que a série encontra a sua maior   protege a sua própria rigidez com a   deveria proteger.
            força: em vez de procurar a empatia   mesma determinação com que eles
            fácil, aposta numa dor silenciosa e   procuram justiça.           A minissérie transforma uma his-
            real, que cresce a cada episódio e                                tória de perda num manifesto si-
            transforma a indignação indivi-  «Contra a Lei» adota um ritmo de-  lencioso contra a indiferença legal,
            dual numa causa capaz de alterar   liberadamente contido, recusando   lembrando-nos de que por trás de
            a lei.                           a aceleração fácil do thriller judicial   cada norma há vidas em suspenso.
                                             para se aproximar mais de um re-  Ao cruzar dor e persistência com a
            A série ganha profundidade tam-  trato íntimo e persistente. A reali-  lentidão de um sistema demasiado
            bém ao explorar o percurso de    zação de Erik Richter Strand acom-  rígido para sentir, a série mostra
            Ann em paralelo com o do mari-   panha de perto o quotidiano dos   que a justiça não é um conceito
            do Charlie (Daniel York Loh), cuja   Ming, privilegiando planos próxi-  abstrato: é uma conquista feita de
            presença discreta nunca é passiva.   mos e silêncios prolongados que   coragem, insistência e humanida-
            Ele representa a resiliência silen-  amplificam o desgaste emocional   de. E é precisamente nessa verdade
            ciosa que sustenta a luta quando as   e a dimensão humana da história.   que reside a sua força mais dura-
            forças parecem esgotadas, e juntos   Essa opção estética reforça a sensa-  doura.





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