A Coreia, após o fim da Segunda Guerra Mundial, teve uma História rica em eventos políticos, com guerras e golpes de Estado, que levou à presente divisão das duas Coreias com regimes políticos antagónicos: o Norte comunista e ditatorial e o Sul capitalista e democrático. Em «Cobweb – A Teia», Kim Jee-woon coloca a acção num dos períodos mais negros da, então recentemente formada, Coreia do Sul. Em 1972 dá-se a «Yushin de Outubro» (Restauração de Outubro) quando o Presidente Park Chung-hee, responsável pelo um dos maiores crescimentos económicos de sempre, faz um auto-golpe e impõe um regime ditatorial que suspende a Constituição e os mais básicos direitos humanos. Assim, os coreanos do sul vêm-se entalados entre duas ditaduras num ambiente opressivo nutrido pela propaganda e contra-propaganda que gera um clima de sufoco e paranoia. Esse ambiente é transposto para esta comédia negra/thriller psicológico, onde um não muito bem sucedido realizador de cinema (Song Kang-ho), que vive na sombra do seu anterior Mestre, empenha-se em realizar a sua obra-prima. Já nos últimos dias de produção decide mudar completamente o final e as pressões da presidente da empresa (Jang Young-nam), dos financiadores japoneses, do Regime e da Censura, dos actores e técnicos, acumulam-se gerando um ambiente de caos e frenesim. A personagem do realizador, que toma ironicamente o nome do realizador real Kim, irá encontrar apoio na jovem Mido (Jeon Yeo-been), sobrinha da presidente Baek, que se torna numa fervorosa acólica e o ajuda a reunir o elenco composto pela sua adorada actriz principal Min-ja (Lim Soo-jung); o galã canastrão Ho-se (Oh Jung-se); a vedette Yu-rim (Jung Soo-jung) – que secretamente tem um caso com o galã; e a grande dame Madam Oh (Park Jung-soo). Para além de uns quantos caricatos actores secundários e uma chusma de figurantes. Toda esta gente irá concretizar o sonhado «filme sobre a natureza irracional do homem». O filme, ao mostrar os interstícios da produção de um filme, torna-se num elogio ao cinema e revela-se um prazer para os cinéfilos encontrar as referências mais ou menos intencionais. É fácil ver o piscar de olhos a Hitchcock, nos planos apertados a preto e branco e, sobretudo, no plan-séquence que toma neste filme uma grande importância. Este é um plano que consiste em filmar continuamente toda uma cena, recorrendo apenas a campos e contracampos, o que exige uma preparação meticulosa e um bailado sincronizado de técnicos e actores. O menor erro obriga a filmar toda a cena de novo. Pela sua dificuldade pouquíssimos realizadores se aventuram tendo Hitchcock, em «The Rope» (1943),  produzido um dos seus melhores exemplos. Mas é justamente nos anos 70, em que a acção do filme decorre, que o surgimento da steadycam (estabilizador de câmara) vem facilitar a filmagem em travelling e popularizar o plan-séquence. Encontramos ainda referências aos expressionistas alemães no uso de cenários de ângulos agudos (veja-se «M» de Fritz Lang,  1931); e também aos filmes sobre a produção de filmes como «Ed Wood» (Tim Burton, 1994) ou, em particular, «Atame» (Pedro Almodovar, 1994) onde parece ter ido também beber do caos intrincado do enredo e do ambiente de telenovela. A critica, no geral, tem apontado como defeito este ambiente tele-novelesco de «Cobweb» esquecendo, porém, da importância e magnitude que a indústria deste tipo tem na Coreia do Sul e que, por tal, fatalmente contamina o cinema. Kim Jee-woon faz aqui uma meta crítica a essa contaminação e promiscuidade na personagem de Yu-rim (Jung Soo-jung)  que se divide entre esses dois mundos. Aliás, nas suas várias camadas de interpretação, este filme é, sobretudo, uma crítica à sociedade coreana, à dicotomia capitalismo-comunismo, ao cinema e à própria crítica. NUNO VAZ DE MOURA Título original: Cobweb Realização: Kim Jee-woon Elenco: Song Kang-ho, Lim Soo-jung, Oh Jung-se, Jang Young-nam, Park Jung-soo Duração: 135 min. Coreia do Sul, 2023 [Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº107, Junho 2024]https://www.youtube.com/watch?v=tTbQLsdJ7aE

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