Quando de deseja resgatar a exuberância de que desfrutava entre 1945 e 1985, do neorrealismo ao êxito mundial de Bud Spencer & Terence Hill, o cinema italiano não deixa uma brecha para rival algum superá-lo, como se viu na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na projeção do estonteante épico bélico «Comandante». Exibido na abertura do Festival de Veneza, a longa-metragem de Edoardo de Angelis (do premiado «Indivisibili») recria a II Guerra Mundial sob os códigos de um filão de género que é um imã de sucesso, vide «Maré Vermelha» (1995) e «A Caçada ao Outubro Vermelho» (1990): os filmes de submarino. Mas o seu maior chamariz é a escolha de um dos astros de maior talento e popularidade de Itália na actualidade: o romano Pierfrancesco Favino. Cabe a ele dar vida ao oficial militar Salvatore Todaro (1908-1942), famoso pelo seu humanismo no mar.

Amparado na delicada fotografia de Ferran Paredes Rubio, o filme recria um dos mais tensos episódios da Batalha do Atlântico, quando o submarino Comandante Cappellini afundou o navio belga Kabalo. Líder das forças italianas nas águas geladas de um oceano que se transformou em palco de um derramamento de sangue sem fim, Todaro decidiu desobedecer às ordens do seu governo e resgatar a tripulação do Kabalo, sendo obrigado a navegar à superfície durante três dias, tornando o navio um alvo fácil para os inimigos.

O encontro com as tropas belgas é descrito no guião como um jogo de alteridade em que novos códigos de respeito começam a ser erigidos. Uma das passagens mais tocantes é o momento em que o exército resgatado explica para a tripulação de Todaro como funciona um dos maiores patrimónios da culinária da Bélgica: a batata frita.

A montagem de Lorenzo Peluso sabe dosar bem esses momentos de doçura a meio de um recorte tenso de temperatura e pressão a partir do qual mergulhamos na psique de Todaro para além do seu espírito de liderança. É um tratado sobre coragem e sobre misericórdia que se desenha em meio às entranhas da Guerra. O desempenho de Favino, com todo o seu carisma é essencial para que o personagem ganhe contornos heroicos. Ao mesmo tempo, o filme consegue relativizar o papel político da Itália no confronto, em isentá-la de seu envolvimento com o Eixo.

Merece destaque a sumptuosa engenharia de som da longa-metragem, digna dos bons filmes hollywoodianos do mesmo filão.

Título original: Realização: Edoardo De Angelis Elenco: Pierfrancesco Favino, Johan Heldenbergh, Massimiliano Rossi Duração: 120 min. Itália/Bélgica, 2023

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº107, Junho 2024]

https://www.youtube.com/watch?v=AmzlLaD6Nrg&t=1s

ARTIGOS RELACIONADOS
O Último Suspiro

Costa-Gavras, que recebeu este ano o César Honneur pela sua carreira, traz-nos «Le Dernier Souffle/ O Último Suspiro». Um filme Ler +

Crítica Diamantes – estreia TVCine

No seu 15º filme, Ferzan Özpetek convida 18 atrizes – a maioria já trabalhou com ele noutros filmes – a Ler +

Crítica SEM AMARRAS – estreia Filmin

O filme de Simon Moutaïrou é um poema. A narrativa que «Sem Amarras» se propõe a contar excede a noção Ler +

Crítica MARIA – estreia TVCine

Uma voz eterna, uma das mulheres mais marcantes do século XX… eis «Maria». Neste retrato biográfico da cantora de ópera Ler +

Surda

Já a curta «Sorda» (2021) pairava no ar uma promessa, e Eva Libertad não a quis deixar morrer, encontrou nela Ler +

Please enable JavaScript in your browser to complete this form.

Vais receber informação sobre
futuros passatempos.