Os leitores são agraciados por mais uma edição de luxo da Ala dos Livros. «Al Capone» é um exuberante retrato gráfico da mais importante e lendária figura do crime do século XX. O argumento desta novela gráfica adulta pertenceu ao francês Swann Merralli (“Kill Annie Wong”), a arte ficou a cargo do desenhador e escultor Pierre-Francois Radice. Este ilustrador, além da banda desenhada, tem a culinária como a sua outra paixão – vide “La Cuisine En Bd” (Casterman). Ambos os autores mudam de registo e criam uma crime story do ponto de vista de Al Capone. Ele será o nosso sociopata/narrador de serviço a partir da sua cela na mítica prisão de Alcatraz, na Califórnia, em 1938. É um dispositivo muito curioso da parte do argumentista porque além do relato da sua vida temos o confronto de personalidade de alguém que queria ser percecionado como um menino de coro, um verdadeiro pilar da comunidade em Chicago, mas que na realidade era um monstro implacável. O próprio leitor apercebe-se que algo não bate certo no relato, entre a palavra e o desenho. Mais uma vez, parabéns aos autores pela criação deste mecanismo que reforça a personalidade dúbia de Capone, se preferirem, as duas faces do homem que transformou o crime numa indústria. A própria capa deste álbum apresenta as suas duas faces retratadas nesta novela gráfica: o homem com ar de menino da mamã e o “scarface” – o rosto do crime.
A obra está dividida em capítulos que nos levam da origem até aos últimos dias da vida de Al Capone. Não há qualquer desejo de engrandecer esta figura ou criar uma narrativa maniqueísta entre bons e maus. No término da obra não há um Al Capone vilão incompreendido ou um herói perfeito em Elliot Ness (famoso investigador que derrubou o sindicado do crime em Chicago). Na realidade, retrata uma época muito cinzenta, onde se impunha a autoridade à margem da Lei quando não era a própria polícia a ser corrupta. No mundo do crime resolvia-se praticamente tudo à lei da bala. O livro está distante de «Os Intocáveis» (1987), de Brian de Palma, e remete-nos mais para «Era Uma Vez na América» (1984), de Sergio Leone. Acima de tudo, é uma novela gráfica que conta a sua própria história e distingue-se entre os demais numa abordagem diferente de uma figura que não é avessa a adaptações.
A história deste álbum inicia-se numa família pobre em Nova Iorque, em 1901, onde encontramos Alphonse Gabriel Capone, um puto mal comportado, cheio de esquemas para se safar e matar a fome. Mentiroso patológico desde tenra idade, mais tarde, na sua adolescência, ganha uma cicatriz (que lhe dará o nome de “scarface”) e conhece o seu mentor, Johnny Torrio. É o período das rixas e biscates, entre a prostituição e os bares. O casamento abre mais uma página do livro e o seu lado mulherengo. O nascimento do filho e o desejo de estabilidade e alguma segurança levam à mudança que seria decisiva na sua vida. Al Capone vai trabalhar com o tio do seu mentor em Chicago, em 1920. Os roaring twenties são sinónimo de um apogeu de moda, música, diversão e luxo que tinha de ser bem regado pela bebida que estava proibida. A América vivia o período da Lei Seca, onde a produção, venda e transporte de álcool era proibido. Com isto, o crime e especialmente Al Capone viram uma grande oportunidade para crescer. A combinação de visão criminal, a violência e o seu empreendedorismo começam a dominar Chicago e o resto do país na venda e produção ilegal de álcool. O miolo do livro concentra-se nas disputas de poder e rivalidades com o gang irlandês de Chicago e o controlo da polícia e dos políticos através da corrupção.
Esta novela gráfica é muito completa, sem se deixar cair em armadilhas narrativas. O retrato de época é luminoso num reflexo de um período de euforia na América, algo que nem sempre vemos na sétima arte… Também encontramos uma forte componente de entretenimento com um protagonista que é mau como as cobras, mas não deixa de ser carismático na sua ilusão criminal.

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