Paulo Branco manifestou o quão pessoal este filme é, da sua experiência, e amizade para com o escritor e poeta Ruy Duarte de Carvalho (1941-2010), aos serviços “emprestados” na produção de um dos seus poucos trabalhos em cinema [«Móia: O Recado das Ilhas»], e a vontade que era em adaptar para grande ecrã a sua mais célebre criação literária, a trilogia “Os Filhos de Próspero”. Para tal necessitou encontrar um escritor/argumentista à altura dos seus calos nestas lides africanas, esse cargo calhou ao não menos talentoso José Eduardo Agualusa. Quanto à realização, segundo o produtor, a busca foi ainda mais exigente, pois era preciso encontrar um olhar que dignificasse e compreendesse a realidade subsaariana. O achado deu-se com Sérgio Graciano, que Paulo Branco viu num determinado filme (deste lado apostamos em «O Som que Desce na Terra»), do qual o realizador demonstrou uma sensibilidade especial para com aqueles cenários e pessoas. Assim se formou a equipa: um realizador grosseiramente televisivo, um escritor que nos últimos tempos se tem aventurado no cinema («Nayola», «Sobreviventes»), e um produtor conhecedor da obra de Carvalho, unindo forças para trazer este «Os Papéis do Inglês», extracto memorial e temporal do eixo Namídia / Angola em ares coloniais. Debatendo não só essa identidade e como essas invocações do lusotropicalismo, o filme utiliza também um subtil “macguffin”, os ditos papeis do Inglês (será um tesouro?) para “burlar” o espectador, e desta feita convidando-o a permanecer num tempo que parece estagnado, revisitado, poetizado em prol deste tributo a Carvalho. Curiosamente, Sérgio Graciano apresenta aqui o trabalho mais equilibrado da sua carreira, onde se notam os seus sacrifícios enquanto “autor”. Despojado dos vícios televisivos ou de o conceito de cinema “para todos os portugueses” (a tal trincheira comercial), através desse trato algo mefistotelicos (para com um produtor que por si é um autor por direito) reforça-se por diálogos ricos e interpretado de forma vigorosa por um elenco rico e multicultural, e adquire espaço e tempo do seu lado para induzir num ensaio de olhares e escutas, de histórias antológicas trovadas como painel multi-narrativo acima da eventualidade etnográfica e até antropológica. Não recorre a clichés técnicos, não cede ao excessivo uso de drones ou outros artifícios banais de esquadrias narrativas e os seus atos raivosamente ditadores. No fundo é uma viagem para longe, quer de nós, quer das memórias da civilização, dos contos dos expatriados, e no seu interior a história de um homem, Ruy Duarte de Carvalho (aqui interpretado por João Pedro Vaz), na sua demanda pelo seu lugar.

Título original: Os Papéis do Inglês Realização: Sérgio Graciano Elenco: João Pedro Vaz, David Caracol, Miguel Borges, Joana Ribeiro, Carolina Amaral Duração: 136 min. Portugal, 2024

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