Ze (Tergel Bold-Erden) é um adolescente de 17 anos com uma vida regrada e várias responsabilidades sobre os seus ombros, incluindo os seus estudos, obrigações familiares e o encargo de ser o xamã da sua comunidade numa cidade na Mongólia, o que adiciona certas restrições à sua vida. Mas quando conhece Maralaa (Nomin-Erdene Ariunbyamba), o seu mundo abre-se a novas ações, sensações e desejos…
Assim reza a narrativa de «O Jovem Xamã». Ze é, de facto, um jovem dos dias de hoje. Anda na escola, é um aluno inteligente e bem comportado, e vive com a sua irmã e pais. Mas Ze é, também, um xamã na sua comunidade. Ajuda a prever o “futuro” e tenta dar respostas quando encarna o espirito do seu avô, enquanto ajuda a família com este dinheiro extra. No dia em que é chamado pela família de Maralaa, para prever se a sua operação ao coração irá correr bem, a jovem desperta nele a liberdade da paixão e a vontade de viver algo que nunca viveu. O seu comportamento começa a mudar e nem tudo é bem aceite pelos professores ou pela família, mas Ze já iniciou o seu novo caminho e muitas questões vão ser descobertas e respondidas de formas nunca antes pensadas.
«O Jovem Xamã» podia prestar-se a um filme sobre o papel nem sempre bem visto das comunidades xamânicas, com gozo e ironia à mistura, dando abertura à fantasia de se explorar um mundo que não está ao alcance de todos. Mas a realizadora quis bem mais do que isso. Lkhagvadulam Purev-Ochir traz-nos o retrato de uma Mongólia actual, que vive entre a cultura ancestral e a modernidade, ainda que encapsulada por um regime restritivo e machista, onde o afeto aberto e as emoções são camuflados.
A viver em Portugal, a cineasta contou com a participação de diversos técnicos, de vários pontos do mundo, destacando-se a direção de fotografia de Vasco Viana, que faz aqui um excelente trabalho. Tergel Bold-Erden, o protagonista, não era um ator profissional, mas conquistou a audiência do festival de Veneza, onde arrecadou o prémio de melhor ator na secção Horizontes.
«O Jovem Xamã» só foi possível de ser feito com muita resiliência da realizadora, que regressou a Ulaanbaatar, capital da Mongólia onde vivem actualmente um milhão e 500 mil habitantes, em infra-estruturas construídas durante o período soviético para cerca de 600.000 pessoas, para realizar um filme que nasceu de um projecto de mestrado. «O Jovem Xamã» mostra as contradições da cultura tradicional e a actualidade de uma comunidade que não quer deixar desparecer completamente as suas raízes ritualísticas, mas é sobretudo sobre o despertar de um jovem que apesar de aceder ao espírito do seu avô, procura o seu lugar no seu tempo e no seu espaço. A realizadora deixa simplesmente acontecer e permite-nos entrar e sentar no Yurt, enquanto observamos o contraste entre as antigas tradições e o futuro que já se instalou. «O Jovem Xamã» é sobre a vida de um adolescente que carrega o dom de fazer a ponte entre o antigo e o moderno, mas nunca cai no ridículo. Pelo contrário, de uma forma sóbria e honesta, viajamos entre dimensões e acompanhamos Ze na sua descoberta como jovem adolescente, carnal e a viver a sua primeira paixão e deceção, mas também guardião da ancestralidade e da espiritualidade, que tanta falta faz ao mundo de hoje.
Título original: City of Wind Realização: Lkhagvadulam Purev-Ochir Elenco: Tergel Bold-Erdene, Nomin-Erdene Ariunbyamba, Anu-Ujin Tsermaa, Bulgan Chuluunbat, Ganzorig Tsetsgee Duração: 103 minutos França/Alemanha/Mongólia/Holanda/Portugal/Qatar, 2023
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