Page 201 - Revista Metropolis nº122
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as inomináveis atrocidades cometidas contra nos demitimos da defesa, da dignidade e da
os prisioneiros, os mortos e os autênticos integridade da alma face ao corpo colectivo dos
mortos-vivos sobreviventes de Bergen-Belsen. povos. Trata-se de um apelo lúcido e sem filtros
E o documentário, que se inscreve num quadro para nos fazer seguir um rumo muito diferente,
que outras obras já exploraram anteriormente para que algo de semelhante nunca volte a
(recordo, e para ficar apenas no campo das acontecer. Trata-se de uma curta documental, sim,
curtas, «Nuit et Brouillard» («Noite e Nevoeiro»), mas os seus breves minutos valem na prática por
1956, de Alain Resnais), não minimiza a crua aquilo que pode e deve servir como uma sólida e
realidade dos factos com efeitos de montagem justa base existencial, uma plataforma de análise
habitualmente usados para atenuar a violência do capaz de influenciar e perdurar para o resto das
que as imagens preservam. Antes pelo contrário, nossas vidas.
é sempre apoiado pela selecção criteriosa de
excertos dos depoimentos de Mike Lewis e No final de «What They Found» vemos os lança-
Bill Lawrie, omnipresentes na banda sonora chamas queimar o que restava do infame campo
e perante o silêncio do material filmado, que de concentração. Mas esse fogo purificador não
nos interpela, já que não foi gravado na origem consegue apagar por si só os ecos sombrios da
qualquer som. Veremos aquilo que eles viram, barbárie a que assistimos, os corpos lançados para
encontraremos aquilo que eles encontraram as valas comuns, a lenta e penosa reanimação dos
e seguramente muitos de nós partilharão os vivos, e ainda a difícil recuperação de quem viveu
sentimentos que eles e os produtores quiseram de perto o horror.
partilhar, perante a dantesca visão do apocalipse.
Trata-se de certo modo de um manifesto a favor Sem dúvida, uma obra que vale as cinco estrelas
de uma outra perspectiva que tenta preservar a com que muitos, e eu próprio, a valorizamos.
verdade e alertar para o que pode suceder quando JOÃO GARÇÃO BORGES
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