De entre os autores do cinema do nosso tempo, Aki Kaurismäki será dos mais estimados e estimáveis, sem sugerir a típica pompa e circunstância. Um realizador finlandês que, desde os anos 1980, se destacou pelo olhar terno e melancólico sobre os não privilegiados, de que a classe trabalhadora é o genérico representante, enquanto categoria social. Justamente a categoria em que se inserem as personagens de «Folhas Caídas», um homem e uma mulher sujeitos à precariedade laboral, cujo modo de vida solitário, apenas refrescado pela companhia de colegas que os levam ao karaoke, não parece fazer parte da modernidade citadina de Helsínquia – a propósito de classe trabalhadora, este novo filme surge de facto como um prolongamento da chamada “trilogia proletária” de Kaurismäki, composta por «Sombras no Paraíso», «Ariel» e «A Rapariga da Fábrica de Fósforos».
Feita a contextualização, «Folhas Caídas» é um filme que só se parece mesmo com… um filme de Kaurismäki, no seu específico jogo de cores, humor lacónico, emoções em lume brando e cerveja/vodka acompanhada de rock finlandês. Quando Ansa (Alma Pöysti), uma empregada de supermercado, e Holappa (Jussi Vatanen), um metalúrgico, se miram num bar de karaoke, tudo indica que a solidão de ambos tem os dias contados; mas será que Kaurismäki só se interessa pela doçura deste encontro de almas proletárias?
Como diz o poema Les Feuilles Mortes, de Jacques Prévert, “a vida separa aqueles que se amam”, e no caso do homónimo «Folhas Caídas» esse movimento do acaso vem sob a forma de diferentes desencontros, com uma nota de mágoa, que ainda assim não estão destinados a frustrar completamente a concretização romântica. Sim, é apenas de uma história de amor que se trata, com elementos de ternura infinita – como seja uma ida ao cinema, um beijo na face, um jantar mimoso, o aparecimento de um cão de rua que se torna companhia fiel… – a moldarem uma sublime colcheia de esperança num mundo assombrado pelas notícias de guerra. A saber: os relatos que se ouvem no rádio sobre os ataques russos na Ucrânia são a marca temporal mais explícita do filme, como que a sinalizar que, na tristeza destes dias, ainda é possível vislumbrar uma qualquer luz humana, ou acreditar na mais simples expressão de romance, longe da superficialidade e (até em termos puramente cinematográficos) do caráter inestético da moderna vida em rede. Eis uma delicada obra-prima, envolta em nuances tragicómicas, que confia no encanto puro dos sentimentos de meia-estação.
Título original: Kuolleet lehdet Realização: Aki Kaurismäki Elenco: Alma Pöysti, Jussi Vatanen, Janne Hyytiäinen Duração: 81 min. Finlândia/Alemanha, 2023
https://vimeo.com/894978638