A novela gráfica “A Estrada” é uma edição de luxo da Ala dos Livros. É um livro homónimo baseado num dos grandes romances do século XX que foi escrito pelo gigante da literatura norte-americana Cormac McCarthy. O livro vencedor do Pulitizer de Ficção em 2006 foi adaptado por John Hillcoat ao cinema em 2009. A versão cinematográfica de “A Estrada” contava com Viggo Mortensen e um pequeno Kodi Smit-McPhee nos principais papéis. Eles estavam acompanhados por um elenco repleto de estrelas em pequenos papéis: Charlize Theron, Robert Duvall, o falecido Michael Kenneth Williams e Guy Pearce.
“A Estrada” relata uma jornada medonha de um pai com o seu filho numa América pós-apocalíptica destruída por um cataclismo que tornou os céus eternamente cinzentos, as terras inférteis e trouxe consigo a ruína civilizacional. É um mundo cão sem ordem e onde a Lei pertence aos mais selvagens. Neste tratado de crueldade e violência, pai e filho cruzam a América em busca de um lugar seguro. O pai é um sobrevivente pragmático, a esposa não teve coragem de sobreviver. Para o pai não há outra maneira de sobreviver, ou será que há? É aí que entra a humanidade de uma criança num mundo sem piedade. A narrativa é um arrepio na espinha através da presença de compaixão e do acreditar num mundo melhor por parte de uma criança, mesmo quanto tudo cheira a morte e destruição. Era suposto a criança aprender com o pai a sobreviver, mas a viagem vai ensinar o pai a entender que sem esperança e o acreditar numa réstia de humanidade não vale a pena viver. Este titânico duelo filosófico faz-se num cenário infernal, povoado de seitas canibais, oportunistas e sobreviventes solitários.

É com este tremendo peso literário e cinematográfico que chegamos à novela gráfica de Manu Larcenet. Devemos referir que antes mesmo de abrir este livro pensei na coragem e no acreditar das capacidades deste autor ao querer recriar um livro poderoso que já tinha uma adaptação em imagem real. Podemos dizer, sem qualquer hesitação, que Manu Larcenet criou o seu próprio legado com esta brilhante adaptação. Ficamos assombrados ao entrar num mundo (re)criado por Manu Larcenet através das suas dantescas ilustrações e o seu poder de síntese do romance de Cormac McCarthy. Mas Larcenet não perdeu a força da escrita de Cormac McCarthy e, num golpe de magia, tornou-a ainda mais poderosa ao aliar o seu desenho.
“A Estrada” de Manu Larcenet é uma obra-prima. Faz algo que a adaptação cinematográfica de John Hillcoat não conseguiu fazer (na sua totalidade) ao combinar a atmosfera apocalíptica e o sentimento visceral na relação entre pai e filho que vai puxar o tapete ao leitor. Manu Larcenet penetra na nossa pele e abana totalmente a nossa alma. É uma novela gráfica perturbadora e avassaladora, colocando-nos perante a desolação faz-nos acreditar que podemos ser melhores, a irracionalidade não é a única saída. Manu Larcenet une o tratado de Cormac McCarthy que funde com a sua arte de ilustrador e temos um big-bang em banda-desenhada. O resultado é apoteótico na mistura entre o cenário apolítico e a linguagem lacónica dos dois intrépidos sobreviventes desta história. Quando terminamos a leitura desta novela gráfica (é impossível ler sem parar) sentimos que estivemos numa experiência 4D: na estrada com o pai e o filho, estamos felizes pela sua conclusão, mas totalmente sujos, chamuscados e cobertos de cinzas radioativas.
“A Estrada” de Manu Larcenet é uma experiência incrível.
