Page 8 - Revista Metropolis nº92
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FILMES QUE SÃO PRA SEMPRE
CASO 1
CINEMA BRASILEIRO
RODRIGO FONSECA
Revisar o cinema significa de Tancredo, facilitada pelo desempenho em
rever “amigos imaginários”, estado de esplendor de Othon Bastos, é uma
ou seja, rever filmes que operação comum a quase todos os filmes de
nos servem de norte, Sérgio Rezende, o que faz do diretor de «O
mesmo quando passamos Homem da Capa Preta» (1980) um realizador
um longo tempo sem autoral. Só que a linha narrativa adotada pelo
encontra-los. «O Paciente», cineasta aqui, na fronteira do thriller, com
de Sérgio Rezende, é um a (bem-sucedida) acomodação de imagens
deles. Instalado numa bifurcação entre o documentais, transgride as suas próprias
drama e o suspense, equilibrando-se nela pela convenções, fugindo da cartilha biográfica
montagem taquicárdica de Maria Rezende, a e indo para o terreno do conto moral. «O
longa-metragem, que ganhou o subtítulo “O Paciente» é um filme sobre a arte de resistir e os
Caso Tancredo Neves”, transpira tensão no limites físicos que a vida (essa danada) impõe
seu esforço de ir além do registro histórico e aos verbos de ação. Esse conto, narrado com o
tirar o seu protagonista da dimensão mítica. desespero de quem se vê diante de uma morte
Há menos interesse pelo estadista Tancredo, anunciada, tira o melhor de Sérgio e também
com os seus feitos simbólicos em prol da do fotógrafo Nonato Estrela, dono de uma
democracia, e mais apreço pelo Tancredo uma das mais sólidas (porém menos reconhecidas)
pessoa como qualquer um de nós, suscetível a linhas evolutivas do audiovisual brasileiro na
dores abdominais, vómitos e desabafos do tipo: depuração da imagem. Parceiro de Glauber
“eu não merecia isso”. O foco do argumento Rocha (em «Di Cavalcanti») e David Neves (em
de Gustavo Lisztein – potencializado por «Muito prazer»), Nonato tira o visual do filme
uma carga emotiva ascendente – está menos do leito mais ordinário do storytelling rasteiro
na esfera político e mais no terreno das e aposta numa aeróbica de closes e planos
fraquezas, entre as quais, a vaidade, encarnada sem cortes, o que amplia a claustrofobia da
na apavonada figura de um dos médicos do trama. A sua câmara é generosa com a dor de
presidente, o Dr. Pinotti, defendido de forma D. Risoleta Neves, que devolve ao grande ecrã
luminosa por Paulo Betti. À época da sua todo o brilho que Esther Goés desperdiçou no
estreia, em 2018, foi muito falado sobre o passado, em «Stelinha» (1990), e que ficou na
caso real no qual a produção se baseia, e que saudade. Igualmente tocante é a composição de
permanece no imaginário sul-americano como Antonio Britto feita por Emilio Dantas. Sérgio
um trauma histórico. Rezende talvez tenha chegado ao melhor de si,
e levou todo o elenco e a equipa com ele até à
Na tela, a “cirurgia” da desmitificação simbólica excelência.
8 METROPOLIS MêS 2022