No novo filme da Disney os animais falam. Aliás, eles fazem diversas coisas que é habitual fazerem nos filmes da Disney. Falam, andam de pé em duas patas, vestem-se, tem emoções… Mas também exibem algumas caraterísticas humanas, como sentimentos contraditórios ou dúvidas morais, e resolvem os seus problemas pensando e atuando em conformidade. Quer isto dizer que num certo sentido são muito mais parecidos com os humanos do que é habitual e os seus comportamentos levantam uma questão: o que significa ser civilizado, ou seja, humano? E é possível ser selvagem e civilizado? A ação acontece em «Zootrópolis», uma cidade moderna que é idealizada à semelhança de uma metrópole como Nova Iorque ou Paris, sendo o design de produção o primeiro trunfo do filme. A personagem com a qual nos identificamos é Judy, uma coelha que pretende entrar na academia de polícia onde enfrenta a resistência de outras bestas como ursos polares e rinocerontes, e esbara nos preconceitos do capitão Bogo, um búfalo rude… que acha que a coelha é demasiado frágil e mole para o lugar. Judy terá que afirmar-se num meio machista resolvendo um caso complexo com a ajuda de Nick, uma raposa matreira que vive de pequenos crimes porque não consegue contrariar a sua natureza. Os animais evoluíram muito em «Zootrópolis», mas como percebemos através da personagem da raposa eles preservam as suas características inatas, demonstrando que apesar do processo de aprendizagem há sempre um contexto social que condiciona determinados comportamentos. O filme lida de forma brilhante com preconceitos atuais como racismo e sexismo, valorizando as suas analogias através de linhas de diálogo que remetem para o debate recorrente sobre os direitos humanos e as atitudes politicamente corretas. Tem um dimensão adulta nunca perdendo o tom de fábula contemporânea que é fascinante para as crianças. Olhando para estas personagens vemo-nos ao espelho, e rapidamente percebemos que o civismo não é uma atitude forçosamente humana. «Zootrópolis» é o primeiro filme da Disney que assume todas as implicações do antropomorfismo como uma corrente de pensamento. É curioso observar que desde a fusão entre a Disney e a Pixar, algumas das produções da Disney tornaram-se mais interessantes, enquanto que os filmes da Pixar perderam grande parte do fascínio que tinham para o público mais adulto. “Zootrópolis” é o resultado mais evidente desta evolução. Há 10 anos este filme podia ter sido incluído no catálogo criativo da Pixar…
Título original: Zootopia Realização: Byron Howard, Rich Moore, Jared Bush Elenco (Vozes): Ginnifer Goodwin, Jason Bateman, Idris Elba, J.K. Simmons, Octavia Spencer, Shakira, Alan Tudyk Duração: 108 min. EUA, 2016
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº36, Março 2016]
https://www.youtube.com/watch?v=jWM0ct-OLsM