A argentina Lucrecia Martel é uma das realizadoras mais importantes do actual panorama cinematográfico mundial. A sua carreira tem sido marcada por pérolas como «A Mulher sem Cabeça» (2008), «A Rapariga Santa» (2004) e «O Pântano» (2001) que a tornam uma autora imperdível. «Zama» não é excepção, baseado no romance de Antonio Di Benedetto, o filme é um conto de solidão no Novo Mundo onde Zama (Daniel Giménez Cacho), um oficial de justiça da coroa espanhola se encontra num lugar onde o diabo perdeu as botas. O olhar fixo de Zama no horizonte inalcançável reclama o regresso à sua esposa que está em Buenos Aires. O trabalho neste posto longínquo (actual Paraguai) é marcado pela mesquinhez e o racismo da potência colonial, e o próprio Zama sofre na pele pelo facto de não ter nascido na pátria mãe. Ao retratar a realidade através da sua lente, Lucrecia Martel leva-nos para uma atmosfera surrealista onde o desespero de um homem perante a burocracia, a estupidez humana e a sua tão ansiada saída do inferno formam um infindável loop. No último acto, o personagem, cansado da sua existência sufocante e num acto de puro desespero, tenta encontrar um criminoso que se revela afinal a súmula de todas as frustrações e crimes brutais praticados no Novo Mundo pela coroa e pelo banditismo. É talvez o filme menos convencional de Martel, mas que se vai instalando no nosso pensamento muito após o seu término. Notas finais para a belíssima direcção de fotografia assinada por Rui Poças neste projecto que foi co-produzido pela produtora nacional O Som e a Fúria.
Título original: Zama Realização: Lucrecia Martel Elenco: Daniel Giménez, CachoLola Dueñas, Matheus Nachtergaele Duração: 115 min Argentina, 2017
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº63, Outubro 2018]
https://www.youtube.com/watch?v=Dc5hiLqHa6g