VIÚVA NEGRA

VIÚVA NEGRA

«Viúva Negra» é um dos melhores filmes da Marvel, é um surpreendente blockbuster de autor, visualmente irrepreensível com um riquíssimo tecido narrativo aliado a um elenco exemplar. A curiosidade era elevada a partir do momento em que Cate Shortlant assumiu a cadeira da realização. A cineasta australiana tem no seu CV o magnifico «Lore» (2012) e o interessantíssimo indie «Salto Mortal» (2004). Basta olhar para sua carreira para entender o porquê da sua escolha, incute realismo e passado nos seus personagens tendo um especial cuidado pelas figuras femininas ao criar relatos pessoais.

Os melhores artistas dos comics Marvel foram sempre excelentes contadores de histórias e Cate Shortland assumiu esse papel e conservou a sua identidade na criação de personagens de caracter tridimensional. Perante a maior a audiência do mundo aos seus pés Cate Shortland não desiludiu. A realizadora liderou uma história que pudesse interessar não só os amantes incondicionais de super-herois como todos aqueles que também esperam um filme com alma.

«Viúva Negra» finalmente humaniza uma personagem que tem um passado nos comics e que já merecia um tratamento condigno no cinema para lá de ser apenas uma femme fatalle, heroína sexy ou um estereótipo. A própria protagonista queixou-se dessa objectificação na sua primeira aparição em «Homem de Ferro 2». Após esta representação de Scarlett Johansson na mitologia Marvel os produtores têm um problema entre mãos, com um papel musculado a actriz faz estragos não só na acção mas também na emoção e está um nível acima de todos os interpretes.

As sequências de acção deste filme são mais pessoais e frenéticas, de câmara ao ombro com uma montagem em alta rotação criou-se a sua própria expressão a nível de cores, luz e trabalho de câmara. As várias lutas de corpo a corpo ou mesmo as perseguições são intensas mas igualmente emocionais. A luta ou uma perseguição não existe para encher chouriços, é acção de primeira água e uma forma deliberada de avançar a história.

Este filme de origem tem um lugar próprio na mitologia da Marvel Cinematic Universe, não necessitamos de visionar outros filmes da saga para ver «Viúva Negra» é uma história de origem que funciona lindamente a solo. A narrativa é linear, depois do prólogo descobrimos que a estrela da companhia tem assuntos mal resolvidos com o passado, há uma organização secreta russa que explora jovens tornando-as assassinas impiedosas e destituídas de livre arbítrio. A heroína reúne-se à sua “irmã” (Florence Pugh) que desperta da sua missão e procura auxilio com a única pessoa da família que trata por tu os super-heróis…

Florence Pugh é o outro lado da moeda contracena muito bem com uma Scarlett Johansson em estado de graça, a britânica continua a ser uma rising star que não para de debitar interpretações de encher o ecrã, surge no filme como Yelena Belova e apesar dos seus atributos de guerreira carrega um vazio emocional. O filme também adiciona à festa o “pai” narcisista, um russo que rima com urso, deliciosamente interpretado por David Harbour no papel do decadente herói soviético, o Guardião Vermelho, uma figura que veio para ficar na MCU. Também surge em cena Rachel Weisz no papel da figura maternal das jovens que cresceram para serem implacáveis assassinas. Não esperávamos ver a actriz num filme de super-heróis nesta fase da sua longa carreira mas tem uma interpretação exemplar ao lidar com o sentimento oculto numa demonstração da sua qualidade que puxa o tapete aos espectadores. Nos antagonistas do filme surge o misterioso Taskmaster que está ligado ao passado de Natascha, uma figura pouco interessante nos comics mas o argumentista Eric Pearson conferiu personalidade resolvendo e reinventando bem o personagem para a MCU. Ray Winstone sempre foi bom a ser mau, interpreta um papel que faz com um pé atrás das costas mas confere uma presença insidiosa tornando-o algo mais do que o típico vilão, é um excelente desempenho.

O clímax final é fantástico com twists à mistura onde o espectador vai descobrir que por detrás de todo o espectáculo visual houve também amor e laços de família. A história pessoal de duas “irmãs” e de uma família disfuncional assumiu o papel central do filme, sem ser piegas ou fazendo disso uma bandeira, o argumento equilibrou perfeitamente a acção, o drama e o humor revelando a seu tempo que afinal o passado teve significado. Se por acaso este filme for o cair do pano de Scarlett Johansson a actriz sai da MCU em grande numa personagem sem super-poderes é o coração de Natacha que é a força motriz deste excelente thriller de acção e espionagem.

Título original: Black Widow Realização: Cate Shortland Elenco: Scarlett Johansson, Florence Pugh, David Harbour, Rachel Weisz, Ray Winstone, O-T Fagbenle. Duração: 133 min. EUA, 2021