Victoria

VICTÓRIA

VICTÓRIA

“O cinema é a verdade 24 vezes por segundo, e cada corte é uma mentira.” A confiar neste aforismo de Godard, é provável que depois de ver o filme «Victoria» o espectador sinta que viu a verdade. O que talvez não seja mentira.

Num único plano, com a duração de 138 minutos, Sebastian Schipper, guiado pela mão de Sturla Brandth Grøvlen, mergulha-nos numa viagem alucinante de onde dificilmente regressamos os mesmos. «Victoria» é uma espécie de auto-de-fé, uma experiência limite que restaura a nossa crença no potencial criativo escondido na rudimentaridade técnica da arte cinematográfica. Existem poucos exemplos com os quais possamos comparar «Victoria»; nenhum deles merece ser nomeado. Num momento em que os efeitos especiais e a montagem rápida têm o peso e a predominância que se sabe, somos completamente apanhados de surpresa pela intensidade e pelo extraordinário efeito de presença que esta escolha formal veicula.

É evidente que a velhinha distinção entre “forma e conteúdo”, em si, costuma servir para muito pouco, mas neste filme falar da forma é mesmo falar do conteúdo. Desde o primeiro momento em que vislumbramos Victoria (Laia Costa) dançando livremente por entre os flashes de luz numa discoteca qualquer que nos sentimos arrastados por uma corrente única, irresistível e perigosa. É essa a trajectória da personagem que dá título ao filme. Victoria é uma estranha na cidade de Berlim e o encontro casual com quatro rapazes “autóctones” promete mudar-lhe a vida para sempre. Tudo o que sabemos dela é-nos sugerido pelas interacções semi-improvisadas com os actores e com a câmara.

O talento e a entrega dos actores é absolutamente essencial para o sucesso de um projecto desta natureza. Filmado entre as 4 e as 7 da manhã, em 22 locais diferentes, o equilíbrio conseguido entre a precisão do ensaio, a incorporação das falhas e da pura e simples intromissão do acaso é realmente um feito extraordinário. «Victoria» está aí para nos lembrar que, digam o que disserem os físicos, o tempo existe mesmo e é inexorável.

Título original: Victoria Realização: Sebastian Schipper Elenco: Laia Costa, Frederick Lau, Franz Rogowski Duração: 138 min. Alemanha, 2015

[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº40, Junho 2016]