[Crítica originalmente publicada na revista Metropolis nº20, Junho 2014]
Admirável Polanski! Não seria fácil encontrar a linguagem adequada a este projecto, afinal, tão fora de moda. Trata-se de transpor a peça de David Ives centrada num encenador que procura uma actriz para representar um texto de sua autoria, inspirado na «Vénus de Vison», de Sacher-Masoch… Dito de outro modo: gera-se, aqui, um delirante jogo de espelhos que envolve as personagens e a sua relação com o teatro e também , inevitavelmente, o teatro e a sua capacidade de contaminação do cinema.
Mathieu Amalric e Emmanuelle Seigner são admiráveis na representa desse “tour de force”, mas não se pense que se trata de uma mera ambiência de revelação “psicológica”. Para Roman Polanski, o que está em jogo é, no limite, a própria capacidade de o cinema produzir efeitos de verdade, quer dizer, de ser não uma mera “transcrição” do que quer que seja, mas sim um método sofisticado de discussão das significações e fronteiras do factor humano.
Reencontramos, assim, ecos de vários filmes em que Polanski testou as ambivalências cognitivas do cinema, desde «O Beco» (1966) a «O Deus da Carnificina» (2011), passando pelo muito esquecido e emblemático «What?» (1972). Isto sem deixar de ter em conta que «Vénus de Vison» é um daqueles objectos em que a perdição das relações humanas surge indissociável de um humor requintado, contundente como um bisturi. João Lopes
Título original: La Vénus à la fourrure Realização: Roman Polanski Elenco: Emmanuelle Seigner, Mathieu Amalric. Duração: 96 min. França/Polónia, 2013