Um Pequeno Favor

UM PEQUENO FAVOR

UM PEQUENO FAVOR

No cinema de Paul Feig, o género interessa muito. Dentro da indústria americana, os seus filmes têm sido um importante contributo para a desmistificação do lugar da mulher no universo da comédia – que sabemos historicamente dominado pelos homens. E o mais notável é que esse contributo não passa propriamente por enquadrá-las no contexto ligeiro das vulgares comédias ditas femininas (os “Sexo e a Cidade” desta vida), mas por lhes oferecer novos e invulgares contextos de ação: o que é o anterior «Caça-Fantasmas» (2016) senão um comentário feminista ao original? Precisamente, tal atitude volta a ser um dado relevante na análise de «Um Pequeno Favor», desde logo porque as suas protagonistas são mulheres e, claro, as figuras mais sólidas da história. Falamos de Anna Kendrick e Blake Lively, nos papéis de duas mães que se conhecem à porta do infantário dos filhos, e que, postas lado a lado, são o dia da noite: Kendrick parece viver no mundo dos biscoitos, e veste-se quase como uma criança; Lively trabalha em moda e é o verdadeiro mulherão… Apesar desta óbvia antítese humana, tornam-se amigas. E passado uns dias dessa fresca amizade, a personagem de Lively pede a Kendrick para trazer o filho dela quando for buscar o seu à escola. Depois disso, desaparece. Deixa de responder a chamadas e mensagens, e nem o marido sabe do seu paradeiro.

Nesse momento, o filme que até aí se apresentava em tons de comédia começa a investir numa atmosfera sombria, enigmática. E, curiosamente, com esta inversão também se perde algo da essência de Feig (essa que é, na maioria das vezes, assegurada por Melissa McCarthy). Ao avançar no registo do thriller, o realizador sai da sua zona de conforto e tenta alcançar a espessura psicológica de um filme, digamos, de François Ozon. O que acaba por ser um exercício algo frustrante, uma vez que, não sendo esta a sua praia, as fragilidades vão ficando à vista, e «Um Pequeno Favor» torna-se um objeto mais sustentado pelo seu “estilo” – que se vê nos pormenores do guarda-roupa das personagens – do que pelo pilar do mistério.

É caso para direcionar o maior elogio a Anna Kendrick e, sobretudo, a Blake Lively. De facto, elas conseguem aquilo que é mais valoroso num filme de Feig: mostrar a extravagância no feminino, sem papas na língua. Se avaliarmos por esse ângulo, aceitamos melhor a vulnerabilidade tonal de «Um Pequeno Favor» – que não é grave, mas deixa a desejar.

Título original: A Simple Favor Realização: Paul Feig Elenco: Anna Kendrick, Blake Lively, Henry Golding. Duração: 117 min EUA, 2018