Um Crime no Expresso Oriente – entrevista c/ elenco

Um Crime no Expresso Oriente – entrevista c/ elenco


Assinado por Kenneth Branagh a partir dum argumento de Michael Green e com base no clássico de Agatha Christie, «Um Crime no Expresso Oriente» (2017) é um dos filmes mais esperados da estação. Conversámos de forma descontraída com o realizador e com o elenco sobre a construção das personagens, a rodagem nos estúdios Longcross e nos Alpes, o ambiente de enorme cumplicidade, o caráter intemporal da obra original e o estranho bigode de Hercule Poirot.
Tradução Sérgio Alves

Gostaria de começar por pedir a cada um de vocês que falasse sobre as respetivas personagens, pode ser?
Kenneth Branaagh: Eu sou Hercule Poirot e, como se ele afirma, o melhor detetive do mundo, mas um belga numa viagem de Istanbul no Expresso do Oriente onde conhece entre outros …

Lucy Boynton: A condessa Andrenyi que viaja com o seu marido, o conde, e é uma ex-bailarina que vamos perceber que é noctívaga.
Olivia Coleman: E Hildegarde Schmidt está no comboio como a criada da …

Judy Dench: Princesa Dragomiroff e temos dois cães muito bonitos.

Penelope Cruz: Então, eu sou a Pilar Estravados, uma missionária, antiga enfermeira, que trabalhou com bebés, crianças pequenas e que agora é uma missionária.

Willem Dafoe: Gerhard Hardman é um professor de engenharia e dirige-se para Turim, para dar uma aula sobre o uso militar da baquelite.
Josh Gad: Eu sou o Hector MacQueen, o amante do Johnny Depp (risos).

Manuel Garcia-Rulfo: Biniamino Marquez, um vendedor de automóveis, imigrante cubano.

Derek Jacobi: Eu sou o Edward Masterman, o mordomo do Johnny Depp.

Marwan Kenzari: Pierre Michel, o maquinista de primeira classe do comboio.

Sergei Polunin: Eu sou o Conde Andrenyi, um dançarino famoso no filme e marido da condessa Andrenyi

Daisy Ridley: Eu sou a Mary Debenham, uma governanta a viajar de Bagdad para Inglaterra.

Kenneth Branagh: E o Johnny Depp é Samuel Edward Ratchett, um potencial homem de negócios Americano, desagradável, que viaja no comboio. A Michelle Pfeiffer interpreta a Sra. Hubbard, uma viúva à procura de marido numa viagem de comboio pela Europa. Tom Bateman que é Bouc, gerente do comboio, mas que se torna um assistente brilhante e parceiro de Poirot à medida que a investigação avança.

Costuma-se dizer que a tarefa do realizador é como ter o seu próprio comboio pronto para andar e neste caso, foi isso que aconteceu. O expresso do Oriente é mais uma personagem no filme?
Kenneth Branagh (KB): Sim, porque pode ser entusiasmante, glamoroso, romântico, letal – anda depressa – é isolado e um sítio perigoso pois facilmente se torna um ambiente claustrofóbico onde os passageiros são postos à prova, os nervos podem aumentar. Onde o drama e o conflito, material essencial para uma boa história, podem surgir. Por isso, tornou-se um ambiente muito flexível quer dentro quer fora do comboio.


Construíram mesmo um comboio verdadeiro nos estúdios Longcross?
KB: É verdade! Um comboio que andava e saiu da nossa estação. Tínhamos a estação de Istanbul nos estúdios Longcross e a estação Braut no meio dos Alpes, também; e todas estas pessoas viajaram, eram passageiros no comboio que atravessou os campos do Surrey a fazer de cenário para a antiga Jugoslávia. Mas, foi através da magia do cinema e uma distância grande de linha ferroviária que conseguimos fazer o filme. E assim que o fizemos, viajámos, e muitos de nós ficámos enjoados apenas por estar no comboio no Surrey.

Quando estás confinado a um ambiente tão pequeno, como é que isso ajuda a compor a personagem?
Josh Gad: Foi surreal, na verdade tive uma oportunidade de viajar no verdadeiro Expresso do Oriente que foi – alguns de vós estiveram lá – fantástico. O detalhe que a equipa de produção trouxe para esta produção é incrível. Quer dizer, espetacular. Para nós, essa intimidade deveu-se à visão do Ken: todos têm um segredo, as histórias de cada um batem certo e toda a gente é o que parece ser, mas há também mais por trás das aparências. Quando estás confinado a um espaço como este, isso tem algum efeito sobre ti. Cria uma sensação de incómodo, mesmo que não tenhas nada a esconder, existe uma inquietação, dúvidas sobre quem foi o responsável, quem é o assassino, e aquele mistério, de estar num comboio com o homicida. Mas, mais do que isso, aquele cenário de fundo fez-nos sentir que estávamos realmente dentro dum comboio pois as imagens rolavam.
Existem horas e horas de filmagens das montanhas e o comboio está a andar, por isso fez-nos sentir que estávamos mesmo lá.

Kenneth Branagh: O curioso é que no primeiro dia que utilizámos os nossos lugares no comboio e os nossos écrans LED que tinham como imagens de fundo diversos ambientes, os vales, os Alpes, etc., imagens muito difíceis de filmar, ao final do dia todos se sentiam um pouco enjoados. Lembro-me dum momento de pausa e os écrans continuavam a mostrar imagens e fui até à última carruagem do comboio apenas para olhar o cenário a mover-se, tal como se estivesse num comboio verdadeiro. Foi divertido fazer isso mas não fui o único. Por isso, havia uma imersão imediata, esquecíamos onde estávamos, como esperamos que aconteça com os espetadores. As pessoas são transportadas.

Olivia Coleman: Sim, ter segredos se estás fechado no teu próprio quarto, isso é normal. Mas quando estás confinado com toda um monte de gente à tua volta é muito diferente. É como quando estás na escola e alguém diz: “Quem é que fez isto?” E toda a gente fica embaraçada, e foi apenas uma pessoa ou duas a fazê-lo, mas todos nos sentimos culpados e coramos. É essa a sensação.

Judi Dench: Como disse o Kenneth, o mais extraordinário foi estarmos todos juntos nisto. Não é como um filme onde cada um vai filmar as suas cenas. Lembro-me de ir a uma antestreia e dizer a um ator amigo “Olá, olá! O que fazes aqui?”, “Entro no filme”, respondeu ele. Mas, neste caso estivemos todos sempre presentes. E com todas estas imagens a passar, nem tinha a noção que eram ecrãs grandes. Pensei que estávamos mesmo lá, era tão credível! Se o comboio se move daquela forma durante a viagem toda, e eu estou a tentar controlar a Olivia Coleman e dois cães, era tudo muito credível. Grande parte do trabalho estava feito pois a atmosfera estava criada à nossa volta. Somos uns sortudos!

Ken, temos de falar sobre o bigode do Poirot. É o melhor bigode de sempre…
KB: É muito simpático da tua parte. A Agatha Christie descreve-o como sendo enorme e por isso decidimos fazê-lo assim. O bigode é ao mesmo tempo uma proteção e uma provocação. Ele pode esconder-se atrás dele, mas também quando o ridicularizam ou gozam com ele, estão a subestimá-lo e por isso o trabalho de detetive fica mais simples. E de facto, o estilo do Poirot é solto, descontraído, o bigode reflete a sua vaidade. Mas tornou-se, em conjunto com a pronúncia, a sua forma de estar divertida, pequenas particularidades, em algo que apanha os restantes passageiros desprevenidos. Eles não o levam a sério e por isso Poirot pode analisar a verdade de cada um deles de forma mais rápida.

É uma história muito negra no seu âmago. Foi algo que quis trazer para o filme?
KB: É muito negra, e como costumo dizer, existe mistério, mas também raiva e perda, e dor. Cada um tem a sua história. Derek quis falar de tudo.

Derek Jacobi: Apenas posso fazer eco das palavras da Judy. O melhor de tudo foi que estarmos todos juntos, todos os dias, a maior parte do tempo. E criámos laços uns com os outros, não apenas como personagens, mas como atores, como uma companhia. Criou-se um sentimento incrível de companhia e divertimo-nos imenso. Uma das vantagens de trabalhar com o Ken num filme é que podemos rir muito, e o melhor do Ken é que o ambiente que ele cria na rodagem é muito descontraído. Uma atmosfera onde podes ser tu próprio, divertes-te – mas, o mais importante, é o trabalho. Não tens de ficar a olhar para uma parede para entrar numa personagem, pode estar a brincar, ou na conversa, à vontade, mas porque tens tanta certeza da tua personagem e da situação em que estás, quando a câmara começa a filmar estás pronto. É verdade também para o próprio Ken, ele tem essa habilidade extraordinária para… quando pensas que ele está no papel da personagem, ele está na verdade também a dirigir. Ele faz tudo.

Uma pergunta para o Ken: viu o «Crime no Expresso do Oriente» (1974) do Sidney Lumet antes da rodagem?
KB: Não, e essa foi uma decisão consciente. O nosso objetivo era tentar uma nova abordagem, é por isso que eu acho que as histórias clássicas merecem ser contadas de novo. Sabes, é como ouvir uma grande peça musical ao longo da tua vida e eu, pessoalmente, gosto de ouvir versões diferentes da mesma música. Por isso, quis fixar-nos na nossa própria versão. Penelope, tu chegaste a ver o filme?

Penelope Cruz: Claro que sim. Já o tinha visto antes, na minha adolescência, mas não me lembrava de nada. Mas vi o filme, com um olho aberto e outro fechado, pois não queria … fiquei contente que tivesses dito isso, pois estava a desempenhar um papel que a Ingrid Bergman representou tão bem, e não havia forma de aproximar-me dela, sabes, tentar fazer o que ela fez. Aquilo que tu desejavas ficou muito claro para nós, querias fazer algo novo, com todo o respeito pelo filme anterior mas era algo novo e moderno. Por isso, vi o filme com aquele distanciamento, mas sim tinha de o ver, pois tinha-o visto com treze ou catorze anos.

Do elenco com quem gostava de partilhar o quarto no Expresso do Oriente?
KB: Lucy, queres começar tu?

Lucy Boynton: Com quem partilharia um quarto no Expresso do Oriente? Talvez escolhesse o Josh Gad apenas pelo lado divertido e da comédia.

Josh Gad: Não pela minha bela aparência.

KB: Olivia, com quem ficavas tu?

Olivia Coleman: Posso ficar com a Judy? Estou mesmo ao pé de ti, por isso tens de aceitar. E com a Daisy, posso ficar com a Daisy também?

Josh Gad: Sim, podem. Mas vou ficar também com o Josh Gad.

Penelope Cruz: Bem, ia escolher a Judy também, mas tudo bem. Fico com a Daisy pois também dormimos juntas no filme. Não o escrevas da forma que eu disse (risos). Fico onde estava, Daisy.

Willem Dafoe: Marwan.

Josh Gad: Com todos os que me escolheram, claro. Daisy, podia ficar contigo no comboio, apenas para te chatear. E com a Judy.

Manuel Garcia-Rulfo: Tenho de escolher a Judy, também.

Derek Jacobi: Acho que agora que ele é um ícone gay, vou ter de ficar com o Josh.

Marwan Kenzari: Não apenas porque ele o disse, mas escolho o Willem.

Sergi Polunin: fico com o Johnny Depp.

Daisy Ridley: Fico com a Coly (Coleman) e com o Petey.


A história tem 80 anos, quais os temas que vão atrair as audiências atuais?
Acho que tivemos uma oportunidade, com a bênção de James e a Companhia Agatha Christie, de ser criativos com o desenvolvimento da história, esperamos que em conformidade com o espírito da escritora. Por isso, acho que existem algumas surpresas, essa é uma forma de pegar na história, com algumas personagens distintas também. Continua a colocar uma questão muito séria e atual sobre se a vingança, a solução do olho por olho, se essa é uma forma satisfatória de lidar com o mais terrível dos crimes. Reforço a forma como os atores abordaram este projeto durante o qual tens a oportunidade de sentir isso, não apenas intelectualmente, mas sentir, realmente, isso. Gerou-se não apenas uma atmosfera favorável, mas uma confiança, uma abordagem séria e divertida. O que ilustra o facto que a Agatha Christie e depois como o James referiu, de forma simpática, o argumentista Michael Green, encontraram algo no aprofundamento destas personagens. Todos nós compreendemos o que elas passam em face da perda, é esclarecedor; acho que é muito claro. Espero que o coração da obra surja do mistério.

Numa história clássica como esta como é que se decidem as alterações e as mudanças na ação?
KB: Obviamente teria de o matar se lhe contasse tudo sobre os detalhes do filme. Tentámos sempre improvisar um pouco onde fosse possível fazê-lo. Ensaiámos também um pouco. Tentámos encontrar aspetos das personagens a partir da obra original, que depois o Michael ampliou. E naquilo que os atores trouxeram para as personagens. Será que alguém quer falar sobre a forma como construíram as respetivas personagens? Willem, queres dizer alguma coisa sobre isto? Tenho aqui um bonito microfone.

Willem Dafoe: Sabes que está tudo pronto, estava tudo disponível para encenar. Quando estás a construir um mundo e fazes parte dum conjunto tão coeso, é apenas uma questão de encontrares o teu registo. Sentir o que a personagem te pede, o que tu precisas, e viver nesse mundo. Claro que tivemos imensas oportunidades pois estivemos imenso tempo juntos. Como a Judy disse, estava tudo bem completo por isso nunca fiquei preocupado em encontrar a personagem, pois estávamos a viver juntos e a criar, em conjunto, um mundo próprio e orientado por um argumento perspicaz e afinado. Houve um aspeto muito divertido, mas o pano de fundo era a questão sombria sobre a vingança, a moralidade e o julgamento sobre o comportamento das pessoas, e a forma como lidam com as estratégias de vida. E, sim, não me preocupei com isto, foi muito divertido.


Não podemos esquecer o Jim Clay (Cenografia) que fez um trabalho incrível. Que tipo de desafio é que ele enfrentou?
KB: Ele tem um curriculum impressionante, e ele sabia que queríamos ter uma paisagem física no filme que transformasse a viagem em algo excitante. Sabemos que estes dias podem ser muito stressantes, apesar de existirem milagres de rapidez e organização. Mas, houve uma espécie de atenção ao detalhe na ideia da viagem, na era de ouro das viagens. Quer seja de barco, de comboio, ou de avião. Não era exclusivo, pois duma certa forma queríamos convidar os espetadores de cinema do mundo inteiro que assim desejassem ver este filme a embarcar nesta viagem de comboio a sentir a sua qualidade. Sentir a atenção dada ao detalhe. Como as viagens de comboio são curtas, os sabores intensos que experimentamos, seja na gastronomia, na vista, nos arranjos florais, na forma comos os vegetais são cortados, ou nos tapetes, ou em qualquer peça de mobiliário, são muito concentrados e especiais. E o Jim Clay trouxe isso tudo para o filme.

Ken, pediu ao elenco que lesse o obra original? Ou preferiu que se concentrassem no argumento?
KB: Eles podiam fazer o que desejassem, inspiramo-nos em várias coisas. Manuel, leste o livro ou concentraste-te no argumento? Como foi?

Manuel Garcia-Rulfo: Li o livro assim que soube que ia participar no filme. Lembro-me de o ter lido há muito tempo, por curiosidade. Mas dei mais atenção ao argumento, às personagens e, como todos dizem, acho que o comboio, os cenários eram todos fantásticos, por isso foi fácil entrar na personagem. O guarda-roupa era incrível, com estes atores e tudo mais, mas sim acho que dei mais atenção ao argumento e a ti, Kenneth.

E vocês, Sergei e Daisy, usaram o livro como referência?
Daisy Ridley: Claro que li o livro. Primeiro, li o argumento, antes das audições e depois voltei ao argumento e li o livro para encontrar alguma coisa suplementar que precisasse de saber, embora fosse algo diferente. Mas aquilo que me ajudou mais foi, no início, na primeira sessão que tivemos com o Ken quando falávamos das questões da moral. Acho que foi interessante ao longo da rodagem, e vivemos estes dias intensos, o que não esperava dum filme deste género, e as questões da moralidade, na minha maneira de ver, iam-se transformando ao longo do filme, o que foi interessante. Mas, aquilo surgiu duma conversa com o Ken sobre a forma como qualquer um de nós reagiria numa dada situação e como mudam as coisas.

Sergei Polunin: Não dei muita atenção ao livro pois a minha personagem foi criada para o filme. Faço de bailarino e sou bailarino, assim, para mim, passou mais por basear a personagem na minha própria vida, as minhas próprias experiências, mais do que retirá-las dum livro.

Como vimos nas imagens do filme, tem alguns momentos de ação. Foi divertido?
Sergei Polunin: Sim, foi divertido. E senti-me à vontade pois têm a ver com movimento. Este foi o meu primeiro filme por isso estava preocupado em saber quando seriam as cenas de ação. Quando era uma cena de pancadaria, sentia-me à vontade.

Willem, a sua personagem anuncia os tempos sombrios que se avizinham? É a década de 1930, na Europa.
Willem Dafoe: Acho que sim. Acho que deve ter visto isso no clip. É verdade, e a referência à Bakelite para uso militar e ele também é muito severo. Se estivesse a ver o filme iria suspeitar dele desde o início.

Josh Gad: Qualquer filme em que tu entres, suspeito logo da tua personagem. Tens aquele lado sinistro.

Willem Dafoe: Josh, sabes quanto trabalho tenho de fazer para combater essa imagem, alargar o leque de possibilidades daquilo que posso ou não fazer. Acabaste de pôr mais um prego no caixão. Obrigadinho.