«The United Way» é uma carta de amor ao Manchester United e ao genial Eric Cantona. O documentário produzido e narrado por Cantona é um feliz matrimónio entre a história de um dos maiores clubes do mundo e a passagem do virtuoso n.º 7 pelo Man Utd. A narração de Cantona, com a prosa de um poeta clássico ateniense, é fruto da sua paixão e intensidade que vive o clube – é impressionante e não é overacting, ele é assim mesmo. Old Traford, o terreno sagrado onde joga o Man Utd. é apelidado de “o teatro dos sonhos” e Cantona não fica atrás ao narrar esta história num palco de teatro. Estas sequências foram filmadas em Portugal, na Voz do Operário e no Politeama. Esta é uma obra que tem a presença de grandes nomes que marcaram este clube de futebol que debitam uma visão única dos acontecimentos. A estas figuras acrescenta-se, por exemplo, os músicos Peter Hook (Joy Division e New Order) e Shaun Ryder (Happy Mondays) a relembrar o renascimento do clube e da cidade através da música com o “Madchester” nos anos 1990.
Durante décadas o Man Utd. foi a representação da cidade pelo mundo fora conquistando uma legião de adeptos pelas suas proezas futebolísticas e quase sobre-humanas desde o desastre aéreo de Munique (6/02/1958) que destruiu uma promissora geração de futebolistas (morreram 8 titulares). Podemos dividir o filme em três trechos que se entrelaçam com a entrada de Eric Cantona no clube, o primeiro jogador estrangeiro a jogar pelo Man Utd. A história começa com o treinador Matt Busby e os seus “Busby Babes”, com a criação do futebol espectáculo no pós-guerra nos anos 1950, o renascimento das trevas para a conquista europeia em 1968 (frente ao Benfica) – dez anos depois de Munique – e a ascensão aos céus do futebol da United Trinity: (George) Best, (Denis) Law e (Bobby) Charlton. No segundo capítulo, a queda do clube nos anos 1970 após a saída de Matt Busby, a porta giratória de treinadores, o reinado anárquico de Ron Atkinson (os jogadores iam para o pub duas vezes por semana para se preparem para os jogos!). No último terço da obra, a chegada de outro semideus, Alex Ferguson, a paciência do clube perante a adversidade nos anos 1980, a glória das conquistas nos anos 1990 e a geração de ouro de jovens talentosos saídos da academia do clube. Em paralelo à história do clube temos a chegada e ascensão de Cantona, com a sua contratação em 1992, o jogador sentia-se amado e inspirado pela cidade – claramente uma simbiose mútua – temos o céu e o inferno com o famoso pontapé do astro francês num espectador (“só tive pena de não ter dado com mais força” afirma Cantona nesta obra). «The United Way» termina com a conquista do “treble” de 1999 em 11 dias de pura adrenalina: a conquista da taça de Inglaterra, o campeonato e a mítica final contra o Bayern no Nou Camp. Uma vitória que cruza, através de uma brilhante montagem, a remontada do clube no terreno de jogo com imagens das glórias passadas perante o imensurável. «The United Way» é um must para quem tem o futebol como credo. É um entendimento perfeito de que o futebol é muito mais do que onze marmelos atrás de uma bola. O futebol filtrado por um clube lendário como o Man. Utd é uma prova inequívoca de vida, paixão e alma intensa, onde o desporto se imiscui na cultura, na vida e no legado de uma cidade e de um povo que ama profundamente o Manchester United.
Título original: The United Way Realização: Mat Hodgson Documentário Duração: 90 min. Reino Unido, 2021
[Texto publicado parcialmente na Revista Metropolis nº95, Julho 2023]
https://www.youtube.com/watch?v=AdMjrS5m9m4