«The Truth vs. Alex Jones», da HBO Max, é um dos mais importantes e urgentes documentários de 2024. E não apenas por focar a tragédia de Sandy Hook mas sobretudo por apresentar um modo operandis do nosso mundo que foi tomado de assalto pela mentira e a desinformação que colocam em causa (de forma maníaca) a razão e a verdade dos factos.
A obra de Dan Reed segue a tradição de excelência da HBO no seu trabalho documental, algo que faz parte da genética desta grande marca. O filme tem como ponto de partida a negação de um massacre ocorrido na escola primária de Sandy Hook, em 2012, onde morreram 26 pessoas: seis adultos (professores e assistentes) e vinte crianças dos seis aos sete anos. O filme descreve detalhadamente o que se passou e o impacto da perda de inocentes.
Cerca de dois dias após o massacre, o apresentador americano Alex Jones começou a afirmar à sua audiência que tudo foi encenado. Este comentador de extrema-direita construiu o seu império, nos EUA, a disseminar teorias absurdas. A realidade alternativa criada por Alex Jones deixa-nos estupefactos, mas provocou um consequente assédio, humilhações e dor para os pais que perderam os filhos. As teorias são apresentadas no filme a partir dos trechos do programa de Alex Jones onde se afirma o incoerente, inclusive que os pais das crianças mortas eram actores.
A negação de Alex Jones termina no Tribunal onde percebemos as motivações deste para propagar conspirações. A Juíza do primeiro caso adverte-o que não é uma questão do que Alex Jones acha, porque aquilo que ele acha não quer dizer que seja verdade… As investigações dos advogados dos pais conclui, com as provas fornecidas pela empresa de Jones, que ao mesmo tempo que as emissões do programa ocorriam havia um negócio paralelo, de milhões de dólares, onde se vendiam suplementos alimentares e outros produtos no site do programa de Alex Jones. Os picos de visualização eram traduzidos em picos de facturação nos dias onde as histórias eram mais irreais. O apresentador antes de chegar a Tribunal acabou por ser condenado por “defeito”. Os júris dos dois casos de difamação “apenas” tiveram de determinar o valor da indemnização.
Em vez de se debater a saúde mental ou o controlo de armas na América, o centro do debate sobre Sandy Hook baseou-se em torno de propagar/repelir uma teoria absurda e nociva. Segundo este documentário, houve um período em que cinco das seis pesquisas na internet sobre o massacre colocavam em causa a tragédia ocorrida.
«The Truth vs. Alex Jones» será lembrado por focar um dos episódios mais loucos da ascensão da extrema-direita americana e de indivíduos que ganharam protagonismo mediático e político disseminando a mentira e a discórdia. Estes baseiam-se num discurso de lavagem cerebral que provocou a abstração da realidade propagando o ódio. Os números causados pelo negacionista são impressionantes, foi apresentado em tribunal (e documentado no filme) que 24% dos americanos (cerca de 70 milhões de pessoas) não acredita que tenha ocorrido um massacre nesta escola primária em 2012. Talvez não seja coincidência que praticamente o mesmo número de americanos considere que os resultados das Presidenciais de 2020 nos EUA foram adulterados, ou que os ataques ao Capitólio não existiram ou tiveram justificação.
Esta obra permite descortinar o estado de insanidade que seguem estes vendedores de banha da cobra, quanto maior é o absurdo, maior é a audiência e a facturação. Alex Jones em vez de ter uma carroça (como no velho Oeste) tem um canal na internet. É também notória a força que Alex Jones (e companhia) exerce nas redes sociais e não faltam pessoas ignorantes prontas a abraçar o extremismo e o ódio (surgem exemplos no filme). Uma das maiores virtudes de «The Truth vs. Alex Jones» para a América e o mundo não é ser apenas um conto de advertência é sobretudo um vislumbre do que estamos a viver com a fomentação deste tipo de retórica falsa e divisiva que tende a criar profundas clivagens nas nossas sociedades.
Título original: The Truth vs. Alex Jones Realização: Dan Reed Documentário Duração: 121 min. EUA, 2024
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº104, Março 2024]
https://www.youtube.com/watch?v=rnLmKoHPGm0