The Peripheral

THE PERIPHERAL

THE PERIPHERAL

Os produtores da premiada série «Westworld» foram desta vez buscar inspiração à mais recente série de romances do influente escritor William Gibson, para criarem este «The Peripheral» que articula os problemas e perigos dos inícios da 3ª década do século XXI com a intrusão de uma sociedade 70 anos no futuro que progressivamente influencia e transforma o nosso quotidiano.

Gibson é conhecido pelas suas complexas e intricadas narrativas que extrapolam num futuro muito próximo as realidades e perigos do quotidiano. Os seus romances não são particularmente fáceis ou expositivos, criando no leitor uma espécie de frágil cumplicidade que se fôr levada a bom termo deixa o leitor num misto de surpresa e satisfação.

Mais do que uma adaptação literal do mundo de The Peripheral, os criadores desta série optaram por uma interpretação mais ou menos impressionista do universo de Gibson, simplificando alguns detalhes e criando outras personagens e situações que tornam mais vívida esta aventura do amanhã.

Flynne Fisher é a nossa guia e a protagonista desta viagem a dois tipos de futuros. Flynne vive com a mãe e o irmão Burton – um veterano das guerras americanas, numa pequena comunidade do sul dos EUA. Flynne é inteligente e ambiciosa mas as perspectivas de crescimento na sua vida são muito restritas, assim ela sobrevive como uma sim-jockey, uma habilidosa jogadora de jogos-inter-activos, onde ganha dinheiro a avançar em todo o tipo de narrativas vídeo. Um dia ao substituir o irmão Burton no teste de um insólito e intrigante jogo de realidade inter-activa ela testemunha algo de verdadeiramente novo e também assustador, e torna-se um peão nas rivalidades de um futuro, que bem depressa começam a influenciar o passado, e o presente de Flynn. O futuro do mundo de Flynne, 70 anos no futuro, é muito diferente do que podemos imaginar, para começar a população mundial decresceu muito devido a um fenómeno apelidado de Jackpot, uma espécie de tempestade perfeita composta de colapso ecológico e económico, guerra à escala global e a emergência dos mais insidiosos vírus. A estrutura social mundial mudou e o que resta da ordem tradicional tem agora de fazer frente a grupos privados dispostos a tudo para imporem os seus interesses.

O mundo futuro é algo absurdo mas a sua tecnologia é quase mágica, o que permite um grupo dos inícios do século XXII contactar Flynne e Burton e a sua comunidade, e começarem a ter um impacte directo nas suas realidades. Um elemento decisivo neste regresso ao passado, é o referido Periférico, uma espécie de meio comunicação que permite a Flynne viajar até à Londres do seu futuro e interagir com o seus habitantes através de uma forma de andróide que aloja a sua mente durante as suas visitas. De facto, os inícios dos anos 30 do século XXI são a época pré-colapso que dará origem a um futuro completamente inesperado. A tecnologia do futuro cria inadvertidamente no passado – a época de Flynne, um realidade alternativa que é extremamente mutável. Sem querer. Flynne e a sua família alargada acabam por ser os elementos decisores/salvadores da sua realidade cujo impacte se vai sentir no futuro.

Visualmente surpreendente, especialmente na criação da Londres futura e no modo como a tecnologia domina o quotidiano, «The Peripheral» é no entanto uma narrativa centrada numa dimensão muito humana onde os actos de indivíduos podem mudar a evolução de todo um mundo.

Excelentemente protagonizada por Chloë Grace Moretz e Jack Reynor, como os irmãos Fisher, «The Peripheral» resulta numa intrigante proposta sobre as muitas possibilidades do mundo futuro, a cada vez maior influência da tecnologia, e finalmente o que precisamos fazer para não perdermos a nossa humanidade. Uma série rica em detalhe e consequências que merece ser vista e revista, e que inevitavelmente nos levará até dois seguintes capítulos de uma trilogia. Manuel C. Costa

[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº88, Dezembro 2022]