Já todos sabemos que Hollywood e os seus estúdios estão a marimbar-se para o cinema de autor e histórias para adultos. Aliás, a esta altura há uma nova geração que imagina que só nos anos 70 haviam histórias com impacto para o grande público e que conseguiam ao mesmo tempo apresentar um ângulo de cinema. Nos nossos dias, um filme como «The Paperboy – Um Rapaz do Sul» de Lee Daniels é um corpo estranho. Já não há major para ele, já não há enlevo de “indie” para a sua embalagem. E com estrelas como Zac Efron ou Nicole Kidman fica uma perplexidade de marketing. Talvez por isso se perceba o seu monumental flop nos EUA, mesmo quando a promoção salientava a presença no Festival de Cannes. O próprio resultado do projeto varia entre o desejo de ser uma coisa que não é: estava aqui um outro filme. O romance homónimo de Peter Dexter deixava antever uma reformulação do policial negro. Lee Daniels fica hesitante entre essa via e o thriller sulista atmosférico com caução de comentário social. A bem dizer, para fama americana, seria mais proveitoso continuar a sua vertente de cineasta pós-Spike Lee, iniciada com «Precious», e com mensagem sobre um olhar de dentro da comunidade afro-americana. Felizmente, quis arriscar. Mesmo com todas as falhas, «The Paperboy» é um passo em frente. A história anda à volta de uma investigação jornalística de um crime por um repórter sulista que regressa à Florida para tentar ilibar um condenado à morte. Pelo meio, descobre-se um emaranhado de histórias secretas, muitas das quais capazes de colar racismo e taras sexuais.

Para quem quer fazer questão de defender o filme dos detratores, pode sempre salientar que por aqui passa uma espécie de poesia romântica eficazmente metida num thriller sem fórmula – coisa rara hoje! O problema é que «The Paperboy» nunca causa estremecimentos, nunca aquece, mesmo quando se sente o calor, os bayous da Florida… Lee Daniels parece sempre mais preocupado em esventrar a excentricidade das personagens do que encontrar pontas de transcendência do conto de loucura sexual que está à tona. Ainda assim, a orientação do mapa dos clichés tem desvios que surpreendem. Há uma certa envolvência trágica que conquista. E, acima de tudo, uma boa história. Reticências apenas para o casting de Zac Efron. Ah, e é este o filme do comeback de Nicole Kidman? Digamos apenas que poderia ser se a câmara de Daniels soubesse ser um nadinha mais sóbria na captação dos tiques ninfomaníacos daquela mulher…

Título original: The Paperboy Realização: Lee Daniels Elenco: Zac Efron, Nicole Kidman, Matthew McCounaghey. Duração: 107 min EUA, 2012

[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº4, Dezembro 2012]

https://www.youtube.com/watch?v=PLUht03yAb0
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