Justin Theroux protagoniza a versão televisiva de The Mosquito Coast, um livro publicado pelo seu tio Paul Theroux em 1981. A série do Apple TV+, que estreia esta sexta-feira, ilustra a jornada turbulenta de um homem antissistema e da sua família, em fuga por motivos desconhecidos. Fique com a opinião da Metropolis, que assistiu à trama em primeira mão.
«The Mosquito Coast» reimagina a narrativa idealizada pelo autor Paul Theroux, que aqui assume o cargo de produtor executivo, e coloca o seu protagonista Allie Fox (Justin Theroux) numa realidade “paralela”, mas próxima, daquela que experiencia no livro original. Há muito em comum: Allie continua a ser um elemento antissocial e antissistema, que recusa a vida em sociedade tal como a conhecemos, assim como a convergência com a mecanização das relações e dos comportamentos. Adaptado aos dias de hoje, a personagem principal ganha ainda uma forte camada antitecnologia, recusando telemóveis, televisões e computadores na sua rotina; que tornam as suas invenções obsoletas. Um posicionamento irredutível que se arrasta à sua família, nomeadamente aos dois filhos, Dina (Logan Polish) e Charlie (Gabriel Bateman), que têm rotinas arcaicas e aulas em casa. A obra de Paul Theroux já teve uma adaptação ao grande ecrã em 1986, com Harrison Ford a interpretar a personagem principal.
A ironia da série começa logo no streaming onde se vê incluída. A história de um homem que abomina a tecnologia integra o catálogo da Apple TV+, um serviço inserido numa das maiores empresas mundiais no que diz respeito a computadores e telemóveis. Mas esta ironia prolonga-se na relação do protagonista com a sua audiência e com a ação que o rodeia na narrativa, numa convivência meta, com “diálogos” permanentes com o exterior tecnológico – a trama, afinal, acontece num ecrã. Sem respostas fáceis ou imediatas, somos, ainda assim, confrontados com a derradeira pergunta: será Allie mais um hipócrita num mundo de hipócritas? Ou terá ele o “caminho” para a salvação do digital, que atualmente marca o quotidiano de tantas casas?
«The Mosquito Coast» é uma série para espectadores pacientes. E, a julgar pelas primeiras impressões encontradas pela Internet, ainda não encontrou muitos. A trama não se entrega logo à partida, demorando inclusivamente 45 minutos a revelar, pela primeira vez, quem podem ser os opositores de Allie Fox. O homem misterioso está em fuga com a mulher, Margot (Melissa George), e os seus filhos, que também são colocados na mesma posição de desconhecimento da audiência. O Governo anda atrás de Allie, mas a ausência de informações sobre o passado do protagonista é “estranha” e leva a que este puzzle se revele incompleto. Como pode o público equacionar uma resposta se não tem provas na sua posse?
Nove anos, cinco identidades. Os Foxes não têm parado quietos, mas nem os filhos sabem porquê. Se para a maioria esta lacuna será frustrante, até pelas quebras no seu fio condutor, para outros será mais uma mais-valia da série – pela sua particularidade –, pautando o ritmo com a sua imprevisibilidade. Uma escolha por parte dos autores que tem um custo alto, como percebemos. Justin Theroux recria a personagem criada pelo tio com critério, mas talvez nem a qualidade da interpretação do núcleo central seja capaz de salvar uma história feita de pontas soltas. Sem saber muito bem para onde vai a seguir, será que o espectador esperará até ao fim por um desfecho?
Embora as opções do argumento levantem dúvidas, o mesmo não se pode dizer da fotografia e da realização de «The Mosquito Coast». Nos seus detalhes, a realização dos episódios encontra um lado poético, fortalecendo o simbolismo por detrás de uma história parca em palavras e resoluções. Estes elementos são particularmente fortes nas cenas que envolvem a fronteira dos Estados Unidos, descrita como uma armadilha, e as vastas paisagens desérticas, aparentemente intermináveis, até ao México. Há também escolhas a este nível que contrastam com a “norma”, nomeadamente um tiroteio do episódio 3 que não é filmado; em vez disso, a câmara distancia-se e os tiros apenas ecoam para quem vê, e que é já confrontado com o rescaldo da situação.
Metáfora do consumismo e da forma como é o poder de compra que dita a valorização na América, «The Mosquito Coast» funciona igualmente como uma utopia para Allie. Ela existe no abstrato e o protagonista caminha para lá, mas a verdade é que essa realidade tida como perfeita nunca chega, pelo que logo de seguida é preciso fugir e procurar novamente essa utopia. Um percurso em loop, onde cada incursão levanta não só mais questões ao espectador, como a Dina e Charlie que, por influência dos pais, têm também atitudes tidas como erradas pela generalidade da sociedade. Inadaptados, terão a capacidade de romper com este ciclo até ao fim dos sete episódios?
O Apple TV+ disponibiliza os dois primeiros episódios sexta-feira, 30. A partir daí, há novo episódio todas as semanas.