O ano começa a dar os primeiros passos e já chegou uma das séries que provavelmente fará parte das melhores de 2023. «The Last of Us» é a adaptação de um clássico da Sony Playstation, conta com a participação de Pedro Pascal (The Mandalorian») e Bella Ramsey («A Guerra dos Tronos»).
«The Last of Us», da HBO Max, é uma série fenomenal. É a adaptação do campeão de vendas e premiado videojogo da Sony Playstation, por si só uma obra-prima, lançado em 2013. A série foi co-criada pelo realizador e argumentista do videojogo, Neil Drukman, juntamente com o estúdio que o produziu na altura, a Naughty Dog. Ambos participaram activamente na criação e produção desta espantosa série com a Playstation Studios e a Sony Pictures Television. Neil Drukman realiza o magnífico segundo episódio. A combinação entre o clássico jogo de 2013 com Craig Mazin, o argumentista de «Chernobyl» da HBO e co-criador desta série são uma mistura de sucesso em termos narrativos e visuais.
«The Last of Us» desenrola-se num presente apocalíptico. Em 2003, um vírus provocado por um fungo apodera-se das mentes das pessoas tornando os corpos como hospedeiros, despoletando uma pandemia global. Não há tratamento nem cura para esta doença. A acção desenrola-se em 2023, a América não existe como país, existe uma força paramilitar que estabeleceu zonas de quarentena nas principais cidades e controlam com mãos de ferro os poucos sobreviventes da pandemia. Ao longo de 20 anos surgiu uma resistência intitulada de Fireflies [Pirilampos] para combater a ditadura militar. A cidade de Boston vive sob um recolher obrigatório para combater a infecção e a insurreição. Joel (Pedro Pascal) é um traficante que sobrevive em Boston juntamente a sua companheira Tess (Anna Torv). Ellie (Bella Ramsey) é uma jovem que está cativa dos Fireflies, é imune à doença que aflige a Terra, no seu corpo pode estar a cura para os males do mundo. Quando Joel e Tess desejam abandonar Boston e caminhar para o Wyoming, indo à procura de Tommy (o irmão de Joe), eles têm uma proposta da líder da resistência: acompanhar Ellie até fora da cidade em troca dos meios e um veículo necessário para a viagem de 3500 km até ao outro lado da América.
Joel partilha um passado doloroso, sobreviveu como pôde e vê Ellie como mercadoria não por uma questão de má índole, mas o cepticismo do mundo assim o exige. A força basilar de «The Last of Us» é o crescimento da união contagiante entre o “velhote” de 56 anos, Joel e a adolescente Ellie, que se vai intensificando ao longo da jornada na estrada assumindo-se como uma relação de um pai e uma filha. O contracenar de Pedro Pascal com Bella Ramsey é orgânico, puramente natural e genial, estão perfeitos um para o outro: Joel é lacónico (vem à memória os heróis clássicos do western) e Ellie é uma grafonola, está quase sempre ligada à corrente e a puxar por Joel. Fá-lo provavelmente para combater a sua solidão, vive fascinada pelo mundo e a natureza por nunca ter saído da zona de quarentena, em Boston.
A série, a par da relação central, introduz surpreendentemente outros personagens ao longo de episódios com histórias plenamente estruturadas, trazendo ainda mais humanidade para «The Last of Us». Os actores que surgem nestes episódios têm igualmente interpretações subliminares, casos de Anna Torv, Nick Offerman, Murray Bartlett, Melanie Lynskey, Lamar Johnson, entre muitos outros, o que nos leva a tirar o chapéu pelo trabalho na direcção de actores de mãos dadas com as potencialidades destes e o nível superlativo e exigente dos argumentos.
Os espectadores vão perceber que é um milagre que estes personagens estejam vivos. A travessia até ao destino está recheada de assaltantes das estradas, esclavagistas e outros oportunistas que são bem piores do que os infectados. Neste género normalmente os piores monstros são os humanos. Os infectados desta série fazem inveja às criações de H.R. Giger (criador de Alien) em termos visuais, a Naughty Dog esmerou-se nos jogos para criar horrores para todos os gostos, uns mais letais do que outros, quando surgem em cena ficamos invariavelmente com o coração aos saltos.
Os cenários desta série são incríveis. O detalhe e o pormenor da destruição apocalíptica transforma o ecrã em telas de arte por onde caminham os nossos personagens em sets com um realismo impressionante. Se no jogo ficávamos abismados com a criatividade dos designers em imagem real, essas criações tornam-se agora sublimes, saltando do ecrã para a nossa mente. Encontramos beleza na ruína e na destruição, mas sobretudo na natureza viva. Não é só este modelo visual que transforma esta série com um cenário apocalíptico em pano de fundo num raro objecto de beleza, a narrativa não é depressiva, pelo contrário, o mundo é cruel mas sabemos que se procura a luz no meio das trevas.
A HBO Max tem aqui um sucesso entre mãos. Uma espécie de “morri e fui para o céu das séries de televisão”. Ficaremos muito surpreendidos se não estivermos na presença de um fenómeno global. A poderosa história do videojogo de 2013 manteve o intimismo do jogo e ganhou outros contornos narrativos na série. Tendo jogado durante horas a fio o videojogo em 2013, tendo escrito também sobre essa experiência, posso afirmar que a série de televisão «The Last of Us» é muito mais do que apenas uma excelente adaptação – «The Last of Us» é uma grande série de televisão.
O mote está dado. Em «The Last of Us» o enfoque está em explorar a esperança e a bondade em vez de focar no sadismo e na violência. E nesse campo é também uma vitória e um sinal de optimismo. O mundo precisa de esperança e amor perante o terror.
https://www.youtube.com/watch?v=bNBEKmQIsWY&t=12s