A Metropolis teve acesso antecipado aos primeiros episódios de «The Handmaid’s Tale», que tem estreia em dose tripla já esta quinta-feira, 29, no NOS Play. Descubra o que esperar da quarta temporada da série multipremiada, que teve o seu regresso adiado por causa da pandemia de Covid-19.
“You either die a hero, or you live long enough to see yourself become the villain” [traduzido será algo como “ou morres como um herói ou vives o suficiente para te tornares o vilão”]. Permitam-me que recorra ao cinema para estabelecer o ambiente da quarta temporada de «The Handmaid’s Tale». Começo por esta frase retirada de «O Cavaleiro das Trevas» (2008). O prolongamento da narrativa publicada por Margaret Atwood em 1984, cuja ação coincidiu com o final da primeira temporada da série da Hulu – que em Portugal é emitida pelo NOS Play –, atribuiu novas camadas à realidade distópica de Gilead. Mas, e sobretudo, à sua protagonista June Osborne (Elisabeth Moss).
Como vimos, e de forma contundente, na terceira temporada, os acontecimentos de uma vida de ditadura e tortura mudaram incontornavelmente June. Heroína declarada desta história, foi-se transformando ao longo das temporadas, tendo inclusivamente atitudes que não se coadunam (à partida) com as de uma heroína. É certo que esta questão é discutível, até porque temos de inserir o seu comportamento na big picture, mas não deixa de ser um ponto fulcral da extensão desenvolvida por Bruce Miller. Não só o criador transformou (por necessidade) a história idealizada por Atwood, como fez o mesmo com a sua personagem principal.
Já por algumas vezes comparei «The Handmaid’s Tale» a um ciclo vicioso. Por mais voltas que a trama dê, fica a sensação de que June volta sempre ao mesmo sítio. E é aqui que recupero novamente o cinema para ilustrar a minha opinião sobre a série, e esta temporada: June habita uma espécie de «O Feitiço do Tempo» (1993) [Groundhog Day, filme onde o mesmo dia se repete consecutivamente] não estático, onde a inserção no mesmo tipo de ambientes tem sempre um impacto diferente, pelo que também a personagem de Moss sofre mudanças e sai dali diferente, uma e outra vez. Preparem-se, porque vem aí a fase mais obscura da ex-serva dos Waterford e dos Lawrence.
The Handmaid’s Tale: Nada se perde, tudo se transforma
Depois de conseguir extrair 86 crianças e 9 Marthas de Gilead para o Canadá, June é vista como uma celebridade pelos seus pares, assim como pelas pessoas que foi salvando pelo caminho. Para desgosto, claro está, da Tia Lydia (Ann Dowd), que continua a ser enganada com sucesso pela personagem principal. Embora aparente ter um ar imbatível, a verdade é que acumula derrotas e não há forma de travar a onda crescente de descontentamento entre as handmaids. O conflito aberto conta com mais alguns “parágrafos” nesta nova temporada, sobretudo na sequência da “calamidade” que significou a extração de quase uma centena de crianças, possivelmente o bem mais valioso para Gilead. Também Joseph Lawrence (Bradley Whitford) parece não ter muitos amigos, após apoiar a trapaça organizada por June e Mayday.
No ar, paira uma falsa sensação de liberdade, que June, em fuga, não deixa perpetuar: “nós não somos livres”, rebate logo no primeiro episódio. Não é possível ser livre no país em que vivem. O choque é praticamente imediato com uma das aquisições mais sonantes da nova season, a jovem-talento Mckenna Grace, que interpreta a bipolar Mrs. Keyes. A esposa do idoso Comandante Keyes é um forte apoio para a Resistência, que tenta organizar as servas que conseguiram escapar ao sistema. A interação entre Keyes e June ajuda a estabelecer o ambiente de desespero e euforia que convive, ao mesmo tempo, em «The Handmaid’s Tale». No entanto, como bem sabemos, toda a calma aparente dura pouco tempo para estes lados.
Se, na terceira temporada, Fred Waterford (Joseph Fiennes) disse a Luke (O-T Fagbenle) que não seria capaz de reconhecer June, transfigurada pela vivência em Gilead, Rita (Amanda Brugel) apresenta uma perspetiva mais otimista: “a Gilead traz o pior das pessoas, mas na June trouxe o melhor”. Mas será que as mudanças da protagonista significam uma melhoria? Ou, em sentido oposto, uma destruição quase total da capacidade de empatia, levando a que a causa, abstrata, seja mais importante do que vidas isoladas? Estará June a perder a sua humanidade? As respostas não são conclusivas, e uma coisa é certa: June terá cada vez menos a capacidade de ser uma protagonista consensual, o que enriquece, a experiência de visualização, sobretudo numa série que já leva quatro temporadas.
Outras das relações que importa destacar é a de June e Janine (Madeline Brewer). A primeira mentiu a Janine na T3, dizendo que o filho Caleb estava vivo, para a convencer a ajudá-la, mas deverá ser uma questão de tempo até esta mentira ser confrontada. Por sua vez, o papel de Nick (Max Minghella) no regime ganha também maior relevância, assim como os confrontos em Chicago com os cidadãos que lutam pela sua liberdade. Desengane-se, portanto, quem acha que é apenas June que se arrisca a ser reanalisada pela audiência que tem torcido por ela desde o primeiro episódio.
Após uma terceira temporada de contexto, muito utilizada para solidificar esta transformação de June (que assim não nos chega out of character), a quarta season marca um reencontro com a ação mais acelerada, que força o confronto coletivo e não as lutas individuais (que permanecem, é certo). A nova trama quer impulsionar a narrativa para a frente, de modo a quebrar o ciclo vicioso mencionado mais acima, ainda que fique a dúvida se será esse o próximo passo no horizonte para «The Handmaid’s Tale». Ao mesmo tempo, a série desconstrói Fred e Serena (Yvonne Strahovski), por um lado, e Moira (Samira Wiley) e Emily (Alexis Bledel), por outro, tirando assim estas personagens, integrantes do núcleo central, da sua zona de conforto. É-lhes exigido mais, e o público certamente agradece.
Pouco restará dizer sobre o talento estrondoso de Elisabeth Moss, que continua a cumprir, na perfeição, o seu papel como June. Ainda assim, é revelado mais um lado da atriz, que passa agora também para trás das câmaras, realizando três episódios (o 3.º, o 8.º e o 9.º). De notar ainda a banda sonora, que mantém uma identidade muito própria e até uma linguagem intranarrativa, que pauta com estrondo o ritmo da ação.
Os três primeiros episódios de «The Handmaid’s Tale» são disponibilizados no NOS Play quinta-feira, 29, um dia depois da estreia nos Estados Unidos. A partir daí, há um episódio novo todas as semanas.