Ian Fleming tem muito que explicar. Sim, o pai do agente menos secreto da história da espionagem, real ou ficcional, criou em 1953 o célebre 007, que trazido com sucesso ao cinema em 1962, viria a influenciar não só toda uma indústria e moda mas também a lançar uma larga sombra sobre todo um género de literatura popular. Na verdade, apesar do verniz civilizacional que o cinema lhe emprestou, Bond é de facto apenas um assassino de elite que salvaguarda os interesses de sua majestade. O que nos traz a este «The Gray Man», uma realização dos manos Russo, fresquinhos do seu mega-sucesso no universo Marvel, que aqui iniciam um franchise de sucesso, que decerto deixará felizes os accionistas da Netflix. Na base do filme está uma série de thrillers de espionagem e acção escritos por Mark Greaney, que giram em torno de Court Gentry, um ex-agente de operações especiais da CIA, que se viria a tornar o mais hábil e eficaz operacional na eterna guerra secreta dos EUA contra os seus inimigos. Neste primeiro filme Gentry ainda não é o temido Gray Man, é apenas um assassino membro de um braço secreto da CIA, conhecido por Sierra. Gentry é Sierra Six e a dado momento é encarregado de eliminar um alvo e recuperar um item precioso para as chefias da CIA. No decurso da missão Gentry acaba por atingir o seu objectivo, mas descobre que o seu alvo era também membro da Sierra e que o precioso item contém informação preciosa para o novo chefe de operações clandestinas da CIA. Ao não entregar imediatamente a dita informação cifrada Gentry torna-se um alvo não só para a CIA como para um largo grupo de mercenários, capazes de tudo para eliminarem Sierra Six. E aqui entra em jogo, Lloyd Hansen, um psicopata homicida, rejeitado pela agência, mas contratado para missões de alto risco. Viajando um pouco por todo o mundo – à la 007, Gentry vai sobrevivendo a custo aos atentados à sua vida, que se tornam mais viscerais quando Hansen rapta o mentor de Gentry e a sua sobrinha. Até aqui nada de novo, o périplo planetário, os muitos meios de transporte, a incrível dose de violência gráfica, já vimos muitas vezes com efeitos mais ou menos gratificantes mas em nada originais. Os irmãos Russo emprestam à narrativa ímpeto, dinamismo e muito fogo de artifício, porém o filme nunca transcendem as suas raízes pot-boiler, apesar de contar com um elenco de estrelas. Ryan Gosling é o protagonista sólido e imperturbável, mas é Chris Evans que tira a barriga de misérias criando um vilão tão hilariante quanto sádico. Como elemento decorativo temos uma sedutora e mortífera Ana de Armas que decerto voltará na inevitável sequela. Os patrões da Netflix ficaram tão contentes com o resultado final que já encomendaram uma sequela e um spinoff.

Para concluir digamos que «The Gray Man» não traz nada de exactamente novo ou excitante, mas cumpre os objectivos resultando uma fita por vezes empolgante e onde se vê bem no écran os 200 milhões de dólares do seu orçamento. Volta Bourne, estás perdoado!

Título original: The Gray Man Realização: Joe Russo, Anthony Russo Elenco: Ryan Gosling, Chris Evans, Ana de Armas, Billy Bob Thornton, Jessica Henwick, Wagner Moura, Shea Whigham, Alfre Woodard, Regé-Jean Page Duração: 100 min. República Checa/EUA, 2022

https://www.youtube.com/watch?v=BmllggGO4pM
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