BLACK PANTHER MATTERS
No balanço da primeira metade de 2018, um ano que até ao momento tem sido apático, há claramente um filme que sai vencedor: «Black Panther». Chegado ao home video, é o filme de referência por tudo aquilo que representa, é um líder de um movimento de emancipação da arte e da cultura dos afro-americanos nos ecrãs de todos os tamanhos, é muito mais do que uma nota de rodapé. Numa altura onde prolifera um pouco por todo mundo, mas especialmente na América, um perigoso discurso de ódio, discriminação e racismo, na maioria das vezes, em prol de votos e poder, nada melhor do que a arte para desafiar a intolerância e a banalidade. Não considero «Black Panther» uma obra “tia”, mesmo que neste momento se fale do filme como um forte candidato aos Oscars (leiam o artigo do Rui Pedro Tendinha sobre esta matéria), «Black Panther» não é “mais uma dose de super-heróis” nem se apresenta com um discurso simplista que ameaça destruir os pilares do cinema, como afirmam vários detratores que inconscientemente colocam todos os filmes de super-heróis no mesmo saco.
A carga simbólica de «Black Panther», de Ryan Coogler, um dos melhores realizadores afro-americanos da actualidade, conquistou as bilheteiras com um elenco maioritariamente negro, explorou a ideia do “afrofuturismo”, a que se juntou a música de Kendrick Lamar, inspirou-se numa obra que aborda uma utópica nação africana livre do jugo colonial e os argumentistas beberam dos comics de Christopher Priest e, mais recentemente, Ta-Nehisi Coates, dois escritores afro-americanos da Marvel.
A par de «Black Panther», a Netflix (leiam o que a figura de culto Peter Bogdanovich disse este mês à METROPOLIS) abriu espaço a vários cineastas afro-americanos para dialogar e apresentar temas ressonantes de um legado que infelizmente é marcado pela cor da pele, mas aí se encontram as fontes de inspiração para a música, a imagem e a linguagem de uma mão-cheia de ideias talentosas que estão inúmeras vezes na esquina de uma soberba série de super-heróis, como a segunda temporada de «Luke Cage» (outro herói negro!), de Cheo Hodari Coker, ou numa comédia melodramática como «Dear White People», de Justin Simien. É imprescindível que a produção americana continue a fomentar o diálogo a várias vozes, com temas e um número crescente de novos públicos – uma prova que há produtores que não estão a dormir –, e se os veículos para estas influências criativas forem os super-heróis ou a Netflix, melhor ainda, pois é a possibilidade de juntar o melhor de vários mundos.
JORGE PINTO