O documentário «Telemarketers», da HBO Max, recorda o modelo de sucesso do Civic Development Group (CDG). Uma atuação duvidosa que ainda hoje é replicada por algumas companhias.
Quem nunca se queixou de telemarketing agressivo? Uma chamada inesperada, muitas vezes pouco clara, de alguém que – fazendo o seu trabalho – tenta vender, insistentemente, um serviço. Não é preciso pesquisar durante muito tempo para encontrar testemunhos de pessoas que se sentiram lesadas, além de queixas em diversas plataformas sobre comportamentos menos corretos. Por vezes, basta pesquisar um número que não conhecemos, e que não sabemos se queremos atender, para encontrar um chorrilho de denúncias.
«Telemarketers» é um documentário de três episódios, da responsabilidade sobretudo de Sam Lipman-Stern (realizador e ex-funcionário do CDG) e do antigo colega Pat Pespas, que registaram nos anos 2000 o que acontecia nos bastidores da empresa de telemarketing onde trabalhavam, o Civic Development Group (CDG). Apesar de um histórico criminoso desde os anos 90, a verdade é que a corporação conseguia sempre reinventar-se e, inclusivamente, repetir as vilanias do passado.
Qualquer pessoa podia trabalhar lá. Não havia controlo de cadastro, de aptidões ou de vícios. O CDG era um verdadeiro parque de diversões para ex-presidiários, drogados e pessoas sem escrúpulos; entre quem não conseguia outro emprego e quem se conformava com o papel de telemarketer, a empresa era uma imagem heterogénea da sociedade, mais pobre sobretudo, de então. Com argumentos delineados de “banha da cobra”, os funcionários só tinham de repetir o discurso e amealhar contributos de cidadãos comuns. Mas o dinheiro que estes julgavam entregar a associações, ia diretamente para o bolso dos donos do CDG. Pontualmente vinham as multas, mas o valor era irrisório comparado com os ganhos – é caso para dizer que o crime compensava.
«Telemarketers», realizado por Sam Lipman-Stern e Adam Bhala Lough, é uma experiência imersiva, quase em jeito de gravação caseira, onde a audiência percebe a realidade vivida por Sam, Pat e companhia. No meio do caos que era a CDG, percebemos a dimensão da irresponsabilidade de patrões e funcionários, a gravidade dos enganos e, sobretudo, o nível de despreocupação geral com o impacto na vida do outro. Embora o documentário analise de forma crítica o que testemunha, a verdade é que as imagens, inicialmente algo “leves”, ganham nova dimensão pelos relatos a partir do presente.
Apesar de ser um documentário, a série procura criar alguma expetativa e mistério, sobretudo em torno da figura de Pat. Há um conjunto de ingredientes que tornam a narrativa mais ritmada, do argumento/discurso à tensão criada desde o presente, o que torna «Telemarketers» mais do que um mero ciclo que se fecha sobre si próprio. Temos pontas em aberto, desde logo quando fazemos a comparação com situações que, no presente, também vão passando sem a devida penalização…