TED K

Depois de assistir ao filme «Ted K» assaltou-me uma velha memória que há muito estava arrumada algures na minha cabeça, a memória meio vaga de um medo terrível que eu tinha em criança de abrir a caixa de correio. Isto nos anos 90, justamente na recta final de uma longa perseguição que acabou na detenção de Theodore Kaczynski, mais conhecido como “Unabomber”, um dos terroristas domésticos mais famosos dos EUA, que matava pelo correio, enviando encomendas armadilhadas. É impressionante como este caso, que se estendeu entre 1978 e 1995, causando três mortos e mais de duas dezenas de feridos, acabou por entrar no imaginário colectivo.

Um mistério e uma dor de cabeça para os serviços secretos durante anos a fio, Kaczynski conseguiu quase sempre iludir os investigadores que, a princípio, procuravam alguém com um perfil totalmente diferente. Ainda jovem, Kaczynski começou por se distinguir como um matemático brilhante, havendo quem o apelidasse mesmo de génio. Depois de se formar, ele trabalhou durante algum tempo como professor na prestigiada Universidade de Berkeley, mas acabou por se demitir e desistir totalmente da carreira académica para se isolar numa pequena cabana sem eletricidade ou água corrente, perto de Lincoln, Montana.

Este isolamento terá (ou não?) contribuído para a sua radicalização, assente num posicionamento eco-fundamentalista e totalmente contra o desenvolvimento da tecnologia. Os alvos privilegiados dos seus ataques foram, pois, representantes de grandes empresas tecnológicas, académicos das áreas de engenharia e computação, companhias aéreas e empresas responsáveis por desastres ecológicos (como o derrame de crude ou a destruição de florestas). Filmado no mesmo local onde durante anos Ted Kaczynski viveu, o argumento de «Ted K» foi construído como base nas mais de 25.000 páginas de escrita codificada encontradas na sua cabana. Nestes escritos, narrados em off, Kaczynski (Sharlto Copley) resume os seus feitos, motivações e angústias. Ele é um homem tímido, desajustado, em permanente guerra com o resto do mundo não natural. Num filme simples e pouco ambicioso, Tony Stone conseguiu ainda assim capturar perfeitamente esse desespero sem fundo que Copley tão bem encarnou, mesmo por debaixo de uma densa barba. Vale a pena ver.

Título original: Ted K Realização: Tony Stone Elenco: Sharlto Copley, Drew Powell, Christian Calloway Duração: 120 min. EUA, 2021

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº98, Setembro 2023]