«Suaves e Silenciosas», realizado por Beth de Araújo, é um soco no estômago, um magnetizante cruzamento entre «Funny Games» e a ascensão da supremacia branca.

O filme estreou mundialmente no South by Southwest Film Festival em Austin, no Texas em 2022. «Suaves e Silenciosas» foi rapidamente adquirido pela reputada etiqueta de terror a Blumhouse. Neste registo o terror é real e mais aterrorizante do que um filme gore numa narrativa inspirada no lado mais insano dos Estados Unidos.

Em «Suaves e Silenciosas» os monstros ficcionais são verdadeiros – o que mais perturba – é que eles andam à solta um pouco por todo o mundo. A tendência de exportar o que há de pior em nome de cliques, demagogia, estupidez humana ou um preenchimento de um vazio através da violência é uma realidade impossível de se abstrair ao visionar esta obra.

«Suaves e Silenciosas» foi escrito durante a pandemia. Beth Araújo (americana, filha de pai brasileiro) teve como ponto de partida as tendências prementes como aquelas que estão entranhadas na sociedade americana, em particular dois casos específicos: o incidente “Amy Cooper” que ocorreu no Central Park (filmado próximo da morte de George Flyod) e uma tendência intitulada “Tradwife” [abreviatura de “traditional wife” – esposas tradicionais]. O movimento é constituído preferencialmente por mulheres brancas, cristãs e obedientes. Obviamente que há excepções, nem todas tradwifes abraçam a narrativa da extrema-direita que acredita que os papéis de mães e esposas tradicionais garantem a sobrevivência da raça branca. Segundo algumas “vanguardistas” da tradwife: o lugar das mulheres é em casa a cuidar dos filhos e do lar e a não fazerem nada sem autorização do marido. Estas ideias têm corrido o globo através da impulsão de algumas proeminentes influencers que são poucas mas têm imenso alcance.

A violência neste filme é apresentada por um grupo de mulheres que há superfície parecem pessoas normais (pacatas e aparentemente educadas) mas rapidamente apercebemos que têm uma tonelada de problemas mal resolvidos. O enredo retrata Emily (Stefanie Estes), uma educadora de infância que está a lidar com o seu momento de convulsão após um teste de gravidez. Numa tarde, vamos acompanhá-la na forma como manipula uma criança à saída da escola para ser o seu instrumento de discriminação contra uma empregada latina de limpeza. Segue-se uma reunião com as suas amigas – o momento drop the mic – o seu clube é intitulado “filhas da união ariana” que se reúnem numa Igreja. Mais tarde, o Padre vai ser a figura que representa todos aqueles que fazem frente a este discurso de ódio. Apercebemos que apesar da capa de Sra. Professora há uma aura de instabilidade e violência verbal de Emily. As frustrações do grupo debitam um discurso em que todo o mal do mundo são “as pessoas castanhas”, “os negros”, “os asiáticos” ou “os judeus que são donos dos bancos e da imprensa”. Essencialmente quem não é branco é o bode expiatório que corrompe as malhas da sociedade e da família tradicional.

É preciso ter um golpe de rins para «Suaves e Perigosas» mas o esforço é recompensado com uma história vertiginosa a partir do argumento de Beth de Araújo. A nível de desempenhos, a interpretação de Stefanie Estes está carregada de nuances no papel da desconcertante Emily através da representação da raiva silenciosa, as ideias alucinadas e a histeria. As restantes actrizes também deixam a sua marca na representação carregada de realismo. É um filme chocante e com uma tremenda carga emocional, do primeiro ao último minuto viajamos a mil. A história assume outros contornos quando a loucura de Emily e as suas amigas se cruzam com duas adolescentes que cometem o erro de enfrentar o ódio tresloucado, a partir desse momento é uma viagem ao inferno com um inesperado twist.

É um olhar que gostaríamos de afirmar que é só uma visão em jeito de provocação, mas infelizmente é uma realidade que muitos sentem na pele. A realizadora tem a esperança que os espectadores que tenham sentimentos de ódio possam compreender que talvez seja melhor olhar para dentro (e pedir ajuda) antes de começarem a disparar em todos os sentidos…

«Suaves e Perigosas» é um caso sério de talento cinematográfico de Beth Araújo através de um cinema como forma de diálogo com o mundo ao mesmo tempo que nos emociona e deslumbra.

Título original: Soft & Quiet Realização: Beth de Araújo Elenco: Stefanie Estes, Olivia Luccardi, Dana Millican Duração: 92 min. EUA, 2023

https://www.youtube.com/watch?v=9caXYrlADa0

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