Apesar de sua desnecessária cronometragem de 2h40, que esgota o fôlego da plateia ali pelos seus 110 minutos, até chegar aos 138 minutos, recuperando a grandeza em sua coda, «Sem Deixar Rastos» («Zeby Nie Bylo Sladów») é um tributo ao cinema político europeu dos nos 1960 e 70, sobretudo o de Costa-Gavras e Francesco Rosi. E o seu olhar para o passado das narrativas jurídicas do Velho Mundo, bem-torneadas nos anos 1950 por André Cayatte, o realizador Jan P. Matuszynski explora toda a potência que o cinema polaco alcançou após um aporte do seu governo em 2011. Investimentos estatais garantiram que novas vozes autorais (em especial as de Malgorzata Sumowzka e Pawel Pawlikowski) alcançassem plateias que, no passado, celebravam a estética combativa de Andrzej Wajda.
É a fotografia realista (capaz de filtrar excessos) de «Sem Deixar Rastos» que lhe dá vigor, ao viajar no tempo, até a Polónia de 1983, com a cortina de ferro já rasgada. Naquele ano, apesar da suspensão de certos códigos importados da URSS, a lei marcial imposta pelas autoridades comunistas, destinada a reprimir a oposição do partido Solidariedade, ainda está em vigor no país. Em 12 de maio de 1983, Grzegorz Przemyk, filho da poetisa da oposição Barbara Sadowska, é preso e muito espancado por uma patrulha policial. Przemyk morre após dois dias de agonia. A única testemunha da surra fatal é um dos colegas de Grzegorz, Jurek Popiel (Tomasz Zietek). Indignado com a perda do amigo, ele decide lutar em prol da Justiça e testemunhar contra a polícia. Inicialmente, o aparato do Estado polaco, incluindo o Ministério do Interior, desvaloriza o caso. No entanto, quando mais de 20 mil pessoas marcham pelas ruas de Varsóvia atrás do caixão de Przemyk, o governo dá conta do problema que tem. Forças políticas conservadoras decidem usar ferramentas das mais diversas contra a testemunha e a mãe do falecido para desacreditá-las e impedir Jurek de testemunhar em tribunal. O que temos, daí para diante, é um ensaio sobre o silêncio imposto. E um inventário de cicatrizes.
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