Siccità

SECA

SECA

Altas temperaturas e falta de água. É esta a premissa circunstancial de «Seca», o filme que transforma Roma num cenário distópico com elementos realistas: não chove há três anos, o Tibre secou completamente, o abastecimento público de água tem os dias contados, as baratas multiplicam-se e alguns dos habitantes da capital italiana começam a adormecer pelos cantos; imagina-se que por falta de hidratação… É o caso do taxista interpretado por Valerio Mastandrea, um homem propenso a alucinações enquanto transporta turistas pelas praças da cidade. Para além dele, a câmara de Paolo Virzì passa pelo apartamento de um ator desempregado e narcisista que se tornou uma sensação nas redes sociais (enquanto a esposa trabalha num supermercado e troca mensagens com o amante), circula pelo hospital onde uma médica está a lidar com uma nova doença, retrata a prisão de onde sairá, por engano e contra a sua vontade, um afável recluso, acompanha um professor de hidrologia que se deixa corromper nos bastidores mediáticos, etc., etc., etc.

A quantidade de situações que o argumento escrito a seis mãos contempla é talvez a principal fragilidade de um filme que nunca consegue dar substância dramática suficiente às suas pequenas histórias interligadas. O conceito é bem conhecido – pense-se em «Magnólia» ou «Colisão» –, e Virzì consegue atar todos os laços narrativos com um toque de perfeição que nos obriga a reconhecer a inteligência do feito. Porém, não há aqui uma personagem que se destaque, ou um caso que dê por momentos um sentido de gravidade universal. Quase tudo em «Seca» se fica pela peripécia cómica ou dramática que concorre para a leveza do registo popular.

Nesse aspeto, é preciso dizer que Paolo Virzì surge como umas das vozes mais interessantes do cinema popular italiano, precisamente por ter uma agilidade de escrita que, de um modo geral, se reflete em filmes enérgicos e bem oleados no jogo das personagens. Assim acontecia, por exemplo, no seu título anterior, «Noites Mágicas» (2018), uma graciosa reflexão sobre o fim da era dourada de cinema italiano, onde a nostalgia desponta de forma quase inesperada. É também isso que falta em «Seca»: apesar das “surpresas” que vão construindo o puzzle das relações humanas, não há muita margem para o argumento respirar com as personagens, permitir uma sensação de espontaneidade. Está tudo demasiado arrumadinho para isso… Ainda assim, aprecie-se a calibrada encenação, com um elenco à maneira.

Título Original: Siccità Realização: Paolo Virzì Elenco: Valerio Mastandrea, Silvio Orlando, Claudia Pandolfi Duração: 97 min. Itália, 2022

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº95, Julho 2023]