E se Baird Whitlock (George Clooney), vedeta de épicos bíblicos não muito originais, fosse raptado por um misterioso grupo auto-denominado “O Futuro”? E se esse grupo, especialmente empenhado na discussão das atribulações artísticas de Hollywood, fosse a fachada de uma célula comunista? Qual seria o papel de Eddie Mannix (Josh Brolin) em tudo isto, ele que se especializou em garantir que os comportamentos mais ou menos heterodoxos dos actores dos filmes não chega às colunas de bisbilhotices da imprensa de escândalos?
Bizarro? Sem dúvida. Mas tudo isto adquire alguma lógica se lembrarmos que estamos a falar de peripécias vividas na primeira metade da década de 1950, em Hollywood, num contexto em que o “maccartismo” começava a desenvolver as suas práticas mais ou menos paranóicas no sentido de expurgar a indústria cinematográfica dos “vermelhos”.
Aliás, as coisas tornam-se ainda mais claras e consistentes a partir do momento em que compreendemos que vogamos no interior desse misto de realismo e ironia, evidência e fantasia, que distingue um filme dos irmãos Coen — um grande filme dos irmãos Coen, convém acrescentar. Afinal de contas, eles mantêm-se fiéis a uma visão enraizada no período clássico de Hollywood, embora inevitavelmente consciente de que não é possível regressar a esse tempo, muito menos repetir o fulgor da produção da época.
«Salve, César!» é um objecto de cristalino amor pelo cinema em que somos convidados a experimentar a sensação ambígua de que nos aproximamos de algo que, em boa verdade, já não existe. A saber: o sistema de estúdios e os seus filmes divididos em géneros mais ou menos estáveis (comédia, western, musical, etc.). Digamos que Joel e Ethan Coen encenam o cinema a que, utopicamente, gostariam de ter pertencido. No limite, é possível evocar a lendária Esther Williams colocando Scarlett Johansson a “reproduzir” os seus números musicais aquáticos… A nostalgia envolve sempre o fascínio das origens e um terno sentimento de perda.
Título original: Hail, Caesar! Realização: Joel Coen, Ethan Coen Elenco: Josh Brolin, George Clooney, Ralph Fiennes, Scarlett Johansson, Tilda Swinton Duração: 106 min. EUA, 2016
[Texto originalmente publicado na Revista Metropolis nº36, Março 2016]
https://www.youtube.com/watch?v=kMqeoW3XRa0